Richard e Melissa: mentindo com talento.
Lee Israel foi autora de biografias de sucesso e até apareceu na lista de mais vendidos do New York Times, no entanto, permaneceu uma ilustre desconhecida nos anos 1990. Embora ainda tivesse vários projetos editoriais para serem desenvolvidos, a escritora não tinha crédito sequer com a sua própria editora. Com contas para pagar, um gato doente e toneladas de frustração, Lee precisava ganhar dinheiro e rápido. Foi quase que por acaso que descobriu que no mundo dos apreciadores da alta literatura havia um grupo de pessoas capaz de pagar altas quantias por cartas de escritores famosos - e conforme ela aprende, quanto mais pessoal for a carta, mais valiosa era. Foi assim que ela utilizou seu conhecimento histórico e talento para forjar cartas que nunca foram escritas por seus autores. De Noel Coward à Dorothy Parker, Lee falsificou mais de quatrocentas e ganhou dinheiro suficiente para se manter por algum tempo até ser descoberta. Estas desventuras renderam um livro autobiográfico e, embora o título do livro e do filme deixe a sugestão de arrependimento, Lee Israel sentia-se plena ao ver que seu talento para captar a voz daqueles autores consagrados confirmava ainda mais seus dotes de escritora. Trata-se de um reconhecimento um tanto distorcido, mas que recebe um tratamento muito especial no roteiro de Nicolle Holofcener e Jeff Whitty (indicados ao Oscar de roteiro adaptado deste ano). O texto é o argumento perfeito para um trabalho impressionante de Melissa McCarthy na pele da escritora. Embora a atriz tenha trabalhado em várias comédias de gosto duvidoso (chegando ao fundo do poço com Crimes em HappyTown/2018 que lhe rendeu uma indicação ao Framboesa de Ouro de pior atriz deste ano), ela demonstra ser capaz de sobrepor várias camadas da personalidade da personagem numa composição bastante complexa. Melissa desaparece na pele de Lee Israel. A personagem possui vários pontos complicados em sua vida e se enrola cada vez mais quando torna a grande farsa em sua grande verdade. Melissa está ótima em cena e mereceu ser lembrada em todas as premiações do ano (Globo de Ouro, Critic's Choice, SAG, Oscar...), pena que até a Lady Gaga tem mais chance de levar o Oscar de melhor atriz do que ela. Quem também está muito bem em cena é o veterano Richard E. Grant, que utiliza sua aparência de lorde inglês para criar o afetado amigo de Lee, Jack Hock que a ajuda em alguns trambiques, trotes e mentiras. Os dois tem uma ótima química em cena e conseguem ser encantadoramente humanos na pele dos anti-heróis que encarnam. Conforme a trama avança, o filme condensa sua melancolia (embalada com muito jazz) e comove com a triste história de uma escritora talentosa que buscava reconhecimento. Poderia me perdoar? é envolvente e interessante, além de dotado de uma sensibilidade que só comprova o talento da diretora Marielle Heller, que antes havia pesado a mão em Diário de Uma Adolescente (2015). Aqui ela acerta em tudo e, assim como sua dupla de atores, merecia destaque nas premiações.
Poderia me Perdoar? (Could you ever Forgive Me? / EUA-2018) de Marielle Heller com Melissa McCarthy, Richard E. Grant, Ben Falcone, Dolly Wells, Christian Navarro e Jane Curtin. ☻☻☻☻
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