Liv e Ingrid: relacionamento desastroso.
Ingmar Bergman é um dos meus cineastas favoritos, mas sei que preciso de cautela para assistir seus filmes. A densidade absurda da relação entre seus personagens por vezes pode ser bastante perturbadora. Some isso ao meu hábito de assistir dramas europeus em dias chuvosos e você terá uma ideia ampliada do que estou tentando dizer. Diante de toda economia que pode ser vista na produção, Sonata de Outono é a prova de que o diretor pode fazer muito com poucos recursos em cena. A ideia é bem simples: Charlotte Andergast (Ingrid Bergman), uma pianista famosa, resolve visitar sua filha, Eva (Liv Ullman) após vários anos de distância. Charlotte acaba de perder seu parceiro de vários anos e as dores nas costas sempre aparecem para atrapalhar (ou elas seriam apenas a manifestação do incômodo diante do reencontro). Eva está visivelmente tensa com a visita da mãe, mas consegue sorrir a maior parte do tempo e transparecer disposta a fazer tudo para agradar. O esposo de Eva, Viktor (Alvak Björk) parece ter ciência do que aquela visita representa e tenta manter uma distância segura do que está prestes a acontecer. O primeiro grande desconforto é a presença da outra filha de Charlotte na casa, Helena (Lena Nyman) que precisa de cuidados especiais e desde o início motiva na mãe uma sensação de desconforto que apenas se amplia com o tempo. Não vai demorar muito para que a proximidade daqueles dias faça com que antigos ressentimentos apareçam e transbordem quando Eva e Charlotte estiverem mais vulneráveis. Indicado ao Oscar de roteiro original, o filme traz alguns dos diálogos mais duros já travados entre mãe e filha, em certo momento Eva até afirma que "mãe e filha não poderia ser uma combinação mais desastrosa". Os anos de ausência da mãe, o fracasso do matrimônio dos pais, a sensação de que nunca uma foi boa o suficiente para a outra pesam, mas pesam de verdade com a atmosfera do filme que utiliza closes sufocantes das duas atrizes. Liv Ullman, musa de Ingmar, encontra aqui um dos seus papéis mais oscilantes e perde aos poucos a doçura quase infantil de sua personagem para se tornar uma verdadeira bomba de ressentimentos. Já sua parceira de cena, Ingrid Bergman fez aqui sua despedida do cinema em grande estilo. Uma das grandes musas de Hollywood, ganhadora de três Oscars e indicada outras três vezes, conseguiu aqui sua sétima indicação com um papel difícil, bastante intimista, já que ao contrário de Eva, a dor de Charlotte é toda para dentro, silenciada e até comovente. Ainda que tenha todo um estilo teatral por trás (o duelo de atrizes, o cenário único, algumas narrativas...) Ingmar faz um filme que é puramente cinematográfico em seu formato. Reza a lenda que o filme foi inspirado no complicado relacionamento do cineasta com o pai. Arrepiante.
Sonata de Outono (Höstsonaten/Suécia - Alemanha - França / 1978) de Ingmar Bergman com Liv Ullman, Ingrid Bergman, Lena Nyman e Halvar Björk. ☻☻☻☻
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