Moore: alérgica ao século XX.
Para encerrar este #FDS dedicado ao diretor Todd Haynes, tive dúvida se escrevia sobre seu filme de estreia ou sua obra seguinte. Acabei escolhendo A Salvo por ainda considera-lo bastante atual, especialmente em tempos de pandemia. Depois da estreia multifacetada com Veneno/1991 (que prometo comentar em breve), Haynes retorna com uma linguagem mais concisa e enxuta, dando indícios ainda mais seguros dos caminhos que seguiria. Fascinado por personagens que não se encaixam no mundo ao redor, A Salvo conta uma história bastante interessante sobre uma mulher que se descobre alérgica ao século XX. Ambientado em 1987, o filme gira em torno de Carol (Julianne Moore, musa do diretor), mulher que vive em uma casa bastante confortável e tem como maiores preocupações a cor do sofá da sala. Ela faz ginástica para passar o tempo e participa de jantares de negócios com piadas infames, mas nada parece incomoda-la muito, até que uma dor de cabeça constante, enjoos e sangramentos começam a se tornar constantes. Os exames não sabem dizer o que ela tem. O psiquiatra também não identifica nada de errado com ela, mas os sintomas de que algo está errado com Carol se tornam cada vez mais constantes. Haynes decora seu filme com notícias de rádio e televisão sobre um mundo que vai de mal a pior, até uma redação do pequeno enteado de Carol demonstra que existe um mundo cão lá fora. "Por que precisa ser tão sangrento?" ela diz a certa altura - e não recebe resposta diante da naturalização do que ouvimos todos os dias nos noticiários. O marido (Xander Berkeley) no início imagina que tudo é uma grande frescura da esposa, até que se dá conta de que a situação é mais preocupante do que pensava. Procurando alternativas, ela descobre que seu sistema imunológico começou a reagir ao mundo como se fosse uma verdadeira doença, a junção de poluição, acontecimentos ruins e produtos químicos variados acarreta várias reações desagradáveis em seu organismo e a ida para uma espécie de retiro longe dos centros urbanos parece a solução. Todd Haynes filma desta vez com distanciamento e estranhamento, ainda que faça transbordar para o espectador o que faz mal à sua protagonista. Do acesso de tosse em um labiríntico estacionamento, da dedetização em uma tinturaria, dos diálogos amenos de um chá de bebê... sentimos que o mundo se tornou tóxico para Carol (e o filme assusta ao destacar a enorme quantidade de produtos químicos com que temos contato durante o dia... você já parou para contar?). Haynes constrói um drama que parece um suspense e tem na atuação precisa de Julianne Moore um porto bastante seguro. Na época a atriz começava a chamar atenção e aqui tem um papel bastante complicado, no qual a voz macia e tranquila, a postura inofensiva e todo o resto parece abrigar também uma insatisfação que nunca é dita - e isso permanece na segunda parte em que aparentemente está num lugar realmente seguro. A Salvo permanece atual ao ilustrar como é complicado viver no mundo contemporâneo, com as aparências, as cobranças, as insatisfações crescentes e um ambiente cada vez mais tóxico. Vinte e cinco anos depois, o filme continuar relevante.
A Salvo (Safe / EUA - 1995) de Todd Haynes com Julianne Moore, Xander Berkeley, Dean Norris, Julie Burgess, Chauncey Leopardi, Jodie Markell e James Le Gross. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário