sábado, 29 de agosto de 2020

PL►Y: O Segredo de Vera Drake


Apesar de ser uma atriz inglesa renomada, Imelda Staunton ficou conhecida do grande público quando participou da saga cinematográfica de Harry Potter na pele da megera Dolores Umbridge que assumia com mãos de ferro a escola de Hogwarts. Quem acompanha as premiações lembrou que alguns anos antes, em 2004, ela se tornava uma das atrizes mais comentadas do ano por O Segredo de Vera Drake. Sua atuação lhe valeu os prêmios de melhor atriz no BAFTA e no Festival de Veneza,  além de pegar muita gente de surpresa, já que Imelda estava acostumada a viver personagens simpáticos e cômicos. A atriz surpreende pelas nuances que atribui à uma personagem bastante complexa em um roteiro que lida diretamente com um tabu: o aborto. A assinatura do cineasta Mike Leigh também gerou curiosidade, já que acostumado a abordar temas mais leves com personagens do cotidiano (basta ver Simplesmente Feliz/2008 ou Um Ano A Mais/2010) ele demonstra bastante personalidade diante de uma temática mais sombria e extremamente feminina. Leigh começa o filme como se fosse mais um de seus filmes sobre pessoas comuns, apresentando Vera Drake no dia-a-dia com sua família na Londres da década de 1950, Vera cuida da casa em que vive com os filhos crescidos e com o esposo, além de trabalhar como doméstica. De vida modesta e sempre sorridente, Vera tem uma outra ocupação que sua família não suspeita, e por isso mesmo, se torna o segredo do título: Vera realiza abortos clandestinos. Existe aí um choque do cotidiano trivial com seu método e instrumentos de trabalho que aparecem em várias cenas (e provoca arrepios). O roteiro utiliza pequenas variações sobre as personagens que procuram os serviços de Vera e faz o espectador pensar sobre aquelas realidades apresentadas de forma bastante econômica. Quando uma mulher tem a vida colocada em risco. o caso vai parar na polícia e Vera vê sua realidade mudada para sempre. Embora existam comentários sociais em seu subtexto, Mike Leigh sabiamente não toma partido sobre o tema, apenas apresentando considerações dos personagens sobre aquela situação. As falas e as expressões dos personagens passam a significar mais ainda no contexto do filme (atenção para a policial mulher que aparece na história), preconceitos e julgamentos começam a aparecer durante o processo movido contra a personagem e no meio disso tudo, Imelda faz emergir uma pessoa de carne e osso em meio à controvérsia numa atuação precisa, especialmente no ponto de virada da personagem quando a câmera fixa em seu rosto deixa claro que o olhar da família e da sociedade sobre ela nunca mais será o mesmo (neste ponto fica ainda mais curioso saber que o diretor havia revelado somente a Imelda qual era o tema do filme, deixando as reações do elenco ainda mais espontâneas no momento da revelação).  O filme recebe um tom cada vez mais pesado e ganha complexidade ao apontar alguns fatores que perpassam o assunto, que são igualmente sociais, mas deixados de lado em várias discussões. Sem ser apelativo, gratuito ou panfletário, O Segredo de Vera Drake faz pensar e se constrói como um exercício narrativo interessantíssimo sobre um tema sempre delicado de ser abordado. Para os fãs de Mike Leigh, o filme ainda conta com participação de várias grandes atrizes recorrentes na obra do cineasta.

O Segredo de Vera Drake (Vera Drake / Reino Unido - 2004) de Mike Leigh com Imelda Staunton, Richard Graham, Eddie Marsan, Anna Keaveney, Alex Kelly, Lesley Manville, Sally Hawkins e Jim Broadbent. ☻☻

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