domingo, 21 de fevereiro de 2021

PL►Y: A Febre

 
Rosa e Regis: um mundo entre dois. 

Recentemente escrevi uma postagem sobre o documentário Honeyland (2019) e o quanto me impressionava sua capacidade de nos transportar para um lugar completamente diferente do que estamos acostumados. Tive a mesma sensação ao assistir recentemente ao premiado A Febre da diretora Maya Da-Rin. O filme brasileiro rodado em Manaus está em cartaz na Netflix e vale a pena procurar o filme para ter contato com uma Manaus para além da que temos contato com as recentes notícias sobre a pandemia (ou em qualquer outro tempo). A produção consegue transmitir aquela atmosfera de uma cidade entre dois mundos, a Amazônia ancestral de natureza marcante e a outra marcada pelo crescimento urbano com seu movimentado porto e longos caminhos de asfalto. Esta mistura está presente no filme através da sonoridade (do maquinário do porto aos grilos e pássaros que ficam logo ali do lado), da linguagem (fala-se português em alguns momentos e a maior parte do tempo o que ouvimos é tukano, língua de grupos indígenas da região) e das relações entre  os moradores da região, todos estes elementos emolduram a vida de Justino (Regis Myrupu premiado como melhor ator no Festival de Locarno). Justino trabalha no porto de Manaus, vive entre os sons metálicos do trabalho e os comentários de um colega que insiste em fazer comentários pejorativos sobre sua origem. Fora de casa, o protagonista fala português e está incorporado ao mundo urbano de uma sociedade que se diz desenvolvida. Dentro de casa, ele só conversa em tukano com a filha Vanessa (Rosa Peixoto) e os parentes que aparecem para visitar. Uma rotina tranquila que a cineasta explora de forma quase documental (e sua origem cinematográfica é realmente o documentário), as coisas mudam para Justino quando sua filha é aprovada para cursar medicina na Universidade de Brasília e partirá em breve. Entre um comentário e outro, ele é tomado por uma febre que não passa e começa a afetar seu rendimento no trabalho. A ideia do "o que eu estou fazendo aqui" é uma constante durante o filme que aborda esta situação de forma bastante sutil e que pode incomodar a maioria dos espectadores que apreciam uma narrativa acelerada ou de explosões dramáticas. Tudo aqui é contido e a diretora Maya Da-Rin prefere os detalhes: os comentários que fermentam na cabeça do protagonista, o contraste entre os sons urbanos e os da natureza, além de onde termina seus objetivos e começa os do outro. Além de nos apresentar uma vivência que nos parece tão distante, Maya escreve por entrelinhas e por isso mesmo o seu filme é tão interessante ao fugir dos clichês. 

A Febre (Brasil - França - Alemanha /2020) de Maya Da-Rin com  Regis Myrupu, Rosa Peixoto, Eró Cruz e Suzy Lopes. ☻☻☻☻

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