Barbara Jean: uma diva para lembrar.
Imagine um filho de corretor de seguros que estudou em escolas religiosas e depois se formou em Matemática. Ele vai para o meio da Segunda Guerra Mundial no ano de 1945 como piloto de bombardeios. Agora imagina que foi no período em que estava em uma base aérea na Califórnia que ele começa a se interessar por cinema, área em que enveredou nos anos 1950 e se consagrou duas décadas depois contando a história de uma equipe médica que atua na Guerra da Coreia. A ideia lhe vale a Palma de Ouro do Festival de Cannes e uma indicação ao Oscar, além de uma conceituada série de TV de sucesso. O filme era M.A.S.H. (1970) e o diretor em questão é Robert Altman, nosso tema deste #FimDeSemana. Os filmes de Altman estiveram longe de ser uma unanimidade, mas deixava claro que ser convencional era o que Robert menos desejava. Seus primeiros filmes causavam estranhamento pelo olhar crítico sobre a sociedade americana, mas também pelo gosto de lidar com vários personagens (às vezes falando ao mesmo tempo) e um senso de humor bastante peculiar que brincava com as próprias convenções do cinema e seus gêneros. Depois de vários trabalhos para televisão, a crítica e o público caíram de amores por seu trabalho somente no seu já citado quarto trabalho para o cinema. Mantendo uma rotina que lhe permitia dirigir até mais de um filme por ano, o diretor conseguiu outro hit somente cinco anos (e seis filmes) depois com o aclamado Nashville. Se antes ele fazia troça com militares em uma comédia que beirava o absurdo, agora ele transformava a música country num cenário apropriado para falar sobre a política americana, ou... quase isso. Desde o início em que o filme é anunciado como um LP promovido pelo diretor, nota-se que o filme foge dos padrões. O filme apresenta uma dezena de artistas que se preparam para participar de um comício do candidato republicano à presidência, mas até lá o que vemos são os bastidores do showbizz e shows com algumas das letras mais estapafúrdias da história do cinema (a única exceção é a bonita I'm Easy que levou o Oscar de melhor canção para casa). Estão presentes o veterano country Haven Hamilton (Henry Gibson), a diva que acaba de sair do hospital Barbara Jean (Ronnee Blakely, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), a intelectual à frente de um coral de música gospel (Lily Tomlin, também indicada como atriz coadjuvante), uma mulher chamada Albuquerque (Barbara Harris) que foge do marido para se tornar famosa e por aí vai... o roteiro indicado ao Oscar de Joan Tewkesbury foge do lugar comum e apresenta os personagens como um verdadeiro caleidoscópio de situações que aos poucos revela bem mais do que parece. Existem momentos hilariantes em que Barbara Jean não sabe se conta histórias ou canta para uma plateia repleta de fãs ou a tentativa frustrada de Albuquerque cantar em meio à uma corrida, mas Altman também sabe a hora de fazer a plateia parar de rir e incomodar-se com as degradantes situações em que a desafinada Sueleen Gay (Gwen Welles) se mete em busca da fama, ou a postura do marido abusivo de uma estrela do country ou a chegada de um estilo mais Rock'n Roll neste universo. No entanto, nenhuma provocação se compara ao show que não pode parar mesmo diante de um crime acontecendo em cima do palco. Nashville é Robert Altman no auge de seu estilo inconfundível, com diálogos espertos, piadas escondidas, cenas que parecem soltas (a do acidente na via expressa parece estar ali só para dar um tom absurdo) e uma penca de artistas que se ofereciam para trabalhar com ele por salários modestos. Entre políticos, estrelas e personagens deslumbrados, Nashville constrói um painel humano interessantíssimo que está entre os melhores já concebidos pelo diretor. Fico imaginando como o filme seria recebido se fosse lançado hoje, das críticas que receberia pelo cenário republicano que desenha aqui e o humor bastante crítico de uma showmício que termina com a plateia cantando que não se importa de não ser livre. Nem precisa dizer que Nashville também concorreu aos Oscars de melhor filme e melhor direção, mas não levou nada (e nem precisava). Quando o filme termina, só fica a sensação de como Altman faz uma falta danada.
Robert Altman: humor peculiar. |
Nashville (EUA-1975) de Robert Altman com Henry Gibson, Ronnee Blakely, Lily Tomlin, Gwen Welles, Barbara Harris, David Arkin, Keith Carradine, Geraldine Chaplin, Jeff Goldblum, Shelley Duvall, Barbara Baxley, Ned Beatty, Scott Glenn, Timothy Brown, Allen Garfield, Karen Black, Robert DoQui, Michael Murphy, Dave Peel, Cristina Raines, Donna Denton, Merle Kilgore, Richard Baskin, Misty Mountain Boys, Sue Barton e Elliot Gould. ☻☻☻☻☻
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