Kris e Khari: reencontros no espaço.
Terminando o fim de semana com Andrei Tarkovksy aqui no blog, escolhi aquele que deve ser o filme mais conhecido do diretor russo. Solaris é a adaptação do cineasta para a obra de Stanislaw Lem e, conhecendo a obra do diretor, percebe-se logo o motivo de seu interesse pela obra (ainda que a primeira vista o gênero ficção científica soe distante de sua cinematografia). O filme gira em torno dos estranhos acontecimentos ocorridos numa base espacial em órbita no planeta Solaris. Sua superfície é coberta por um vasto oceano que parece ter vida e mostra-se indomável aos estudos feitos sobre o planeta. A primeira parte do filme é bastante explicativa sobre o que acontece por lá, já que os astronautas passam a ser visitados por pessoas importantes em suas vidas que ficaram no planeta Terra ou que até já faleceram, mas não se trata de alucinação, concretos em sua materialidade, estas "visitas" tem um efeito perturbador. Para conhecer melhor o que está acontecendo, indicam um psicólogo, Kris Kelvin (Donatas Banionis) e chegando lá, sua objetividade é colocada à prova ao se reencontrar com a sua falecida esposa (vivida por Natalya Bondarchuk). Este ponto de partida (para além das explicação científica que o filme revela sem maiores detalhes) permite ricas leituras não apenas sobre a corrida espacial que estava tão latente durante a Guerra Fria, mas também caracterizar o anseio do homem em conhecer novos mundos para fazê-los sua imagem e semelhança. Embora os outros personagens não ganhem muito destaque quanto às projeções que realizam, a relação de Kris com a mulher já rende momentos complicados sobre os sentimentos dele e a crise de identidade sentida por ela. A concepção cerebral do cineasta em torno da história consegue prender a atenção e desviar os olhos do orçamento modesto (que afeta drasticamente a concepção dos cenários e figurinos, além de soluções possíveis para os efeitos visuais), mas gera momentos curiosos como os homens vestindo ternos na base espacial e uma biblioteca que parece pertencer a algum casarão - e acredito que isso faça parte do jogo de aparências que os oceanos enigmáticos traça para os seus visitantes. Porém, este é o filme de Tarkovsky que menos me emociona, talvez por sentir falta dos silêncios, das simbologias, das imagens falando por si que são tão marcantes no cinema do diretor (e talvez por isso a parte que eu mais gosto é o desfecho arrepiante após mais de suas horas e meia de filme). O próprio Stanislaw Lem se desentendeu com o diretor na época. Lançado nos anos 1960, o livro Solaris se tornou uma das obras polonesas mais lidas no mundo justamente pela forma como Lem enfatiza como a humanidade olha para o desconhecido procurando um espelho. O romancista considerou que o filme de Tarkovski se tornou uma obra sobre culpa e luto, uma espécie de "Crime e Castigo no Espaço", conforme ele mesmo disse (e a coisa piorou mais ainda quando Steven Soderbergh fez da sua versão de 2002 uma Love Story Espacial). A sorte é que até quando não entrega seu melhor trabalho, Tarkovsky ainda é relevante - e com um material deste nas mãos, o resultado ainda é melhor do que a maioria dos filmes que temos contato todos os dias.
Solaris (Solyaris / União Soviética - 1972) de Andrei Tarkovsky com Natalya Bondarchuk, Donatas Banionis, Jüri Järvet e Nikolay Grinko. ☻☻☻
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