Peltola: o recomeço segundo Kaurismäki. |
Houve grande surpresa quando a Finlândia cravou sua primeira indicação ao Oscar de filme estrangeiro com O Homem sem Passado em 2003. Ainda que o filme tenha recebido o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, todo mundo esperava que filmes como o sucesso francês 8 Mulheres de François Ozon, o elogiado espanhol Segunda-Feira ao Sol com Javier Barden ou o blockbuster brasileiro Cidade de Deus tivessem mais chances de agradar a Academia. No fim das contas, quem levou para casa o prêmio foi o alemão Lugar Nenhum da África que pouca gente lembra. A indicação filandesa atiçou a curiosidade em torno do filme e fez muita gente ver pela primeira vez um filme de Aki Kaurismäki e garanto que muita gente estranhou o ritmo lento, as interpretações impassíveis e o senso de humor seco que faz a glória dos fãs do cineasta (tente conter o riso nas cenas do cachorro "feroz" do filme). Trata-se de um universo bastante particular que o diretor construiu para suas histórias, com ambientações de estética retrô e pôsteres com a maior cara de clássicos do cinema. No entanto, debaixo de tudo que possa provocar estranhamento, existe uma bela história sobre recomeços. O filme constrói um tom de crônica ao nos apresentar um homem (Markku Peltola) que é espancado e roubado por um trio de assaltantes logo no início da sessão. Ferido, sem dinheiro ou documentos, ele é dado como morto em um hospital, mas desperta e sai do hospital sem fazer a menor ideia de quem seja e para onde deve ir. Sem lembrar de nada, resolve vagar pela cidade até que sua vida começa a ganhar novos rumos. Consegue um emprego, um lugar para morar e até uma namorada sempre por caminhos um tanto imprevisíveis e contando com a ajuda de algumas pessoas que encontra pelo caminho. Todos que estão em volta do personagem sabem que ele não tem lembranças do passado e ao mesmo tempo que algumas pessoas o acolhem, existem outras que apenas desejam se aproveitar dele. Outro ponto interessante na história é que toda figura de autoridade que poderia lhe ajudar a descobrir quem é, acaba o tratando muito mal por considerá-lo um delinquente subversivo. Kaurimäki tem um senso de humor bastante peculiar, ao inserir seu personagem desmemoriado em situações um tanto surreais, como aquela em que tenta abrir uma conta no banco e acaba testemunhando um assalto para logo depois ser preso por desacato ou quando passa a agenciar uma banda promissora. Provavelmente a Academia se rendeu ao filme por conta do caminho oposto que a maioria dos filmes em torno da temática seguiriam. Ao invés de buscar esclarecer algo sobre si mesmo, o personagem vive a partir do que surge em seu caminho e, quando o passado finalmente o reencontra, o filme de Kaurismäki demarca mais uma vez ser uma crônica sobre o recomeço como um sinal de esperança para seus personagens. Não é um filme para todos os públicos, mas merece atenção pela originalidade apresentada em um tema já usado diversas vezes.
O Homem sem Passado (Mies vailla menneisyyttä / Finlândia - Alemanha - França / 2002) de Aki Kaurismäki com Markku Peltola, Kati Outinnen, Anniki Tähti e Kaija Parkarinen. ☻☻☻☻
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