Thomas e Paula: os opostos se atraem? |
Enquanto o documentário Sur L'Adamant de Nicolas Philibert levou para casa o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim do ano passado, o alemão Afire ganhou o Grande Prêmio do Júri (ou Urso de Prata, uma espécie de segundo lugar do Festival) e fico me perguntando que se não fosse a assinatura de Christian Petzold o filme seria acolhido com tanta devoção. O filme está longe de ser ruim, mas impressiona bem menos do que os outros longas do cineasta. Quem conhece a carreira de Petzold (dos aclamados Phoenix/2014, Transit/2018 e Undine/2020) sabe que ele gosta de histórias de amor complexas e com impossibilidades bastante demarcadas. Aqui ele quis seguir um caminho completamente oposto, ele não apenas segue um caminho mais sutil com sujeitos comuns, mas também apresenta um casal protagonista que possui mais em comum do que imaginamos. O filme conta a história de Leon (Thomas Schubert), um jovem escritor que encontra dificuldades para finalizar seu segundo livro. Ele resolve então passar uns dias com Felix (Langston Uibel) em uma casa junto ao mar Báltico. Lá ele espera ter o sossego que precisa para finalizar sua obra enquanto o amigo pensa em seu portfólio a ser apresentado na conclusão da Faculdade de Artes. Embora sejam amigos, os dois não poderiam lidar de forma mais diferente com suas responsabilidades, já que Felix aproveita os dias na casa que costuma ser usada nas férias de sua família, enquanto Leon apenas fica sentado diante do computador sem fazer muita coisa o dia inteiro (literalmente, ele não consegue escrever). Colabora muito para ressaltar esse contraste a presença de Nadja (Paula Beer), uma mulher responsável por cuidar da casa. Desde a primeira cena o escritor considera a moça interessante, mas sempre utiliza a necessidade de trabalhar em seu livro para justificar o distanciamento constante - o que não impede sua decepção ao conhecer Devid (Enno Trebs), o salva-vidas da praia local que costuma passar as noites com ela. O filme avança ancorado na inabilidade social de seu protagonista, o que por vezes o torna bastante arrogante e desagradável, bastante destoante da vibe do trio de personagens que está perto dele. Enquanto ele tenta escrever e o trio desfruta dos dias juntos ali, existem sempre relatos de um incêndio que avança em direção contrária à localidade em que estão (e que justifica o título original em alemão Roter Himmel, ou Céu Vermelho traduzido para o português). Petzold é conhecido pelos elementos trágicos em torno de seus personagens, por isso Afire surpreende os fãs do cineasta a maior parte do tempo - até que uma série de acontecimentos ruins começam a acontecer para que o jovem escritor pretensioso aprenda a enxergar (e valorizar) a vida diante de si e colocá-la no papel. Apesar de considerar que o roteiro por vezes parece tão empacado como seu personagem principal, vale registrar que o elenco está ótimo em cena e segura o interesse do espectador até o desfecho. Thomas Schubert se sai muito bem como o jovem pretensioso do qual é muito fácil ter antipatia, mas também um bocado de pena por viver em sua bolha particular (só alguém assim não perceberia que um livro com o título que ele escolheu não é uma boa ideia, sem falar que o texto quando é exposto no filme é bastante sofrível), o que funciona muito bem em contraste com Paula Beer (uma das atrizes favoritas do cineasta, a outra é a Nina Hoss e adoraria vê-las juntas num filme dele) que está luminosa com uma personagem muito mais complexa do que os jovens "artistas" imaginam. Feito de oposições, seja dos atos de sua narrativa ou entre seus personagens, Afire é um bom filme.
Afire (Roter Himmel - Alemanha / 2022) de Christian Petzold com Thomas Schubert, Paula Beer, Langston Uibel, Enno Trebs e Matthias Brandt. ☻☻☻
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