quinta-feira, 6 de outubro de 2011

CATÁLOGO: 1984

John Hurt: o melhor participante do Big Brother de todos os tempos

Um dos meus livros favoritos de todos os tempos é 1984 de George Orwell e sempre me irrita quando alguém fala sobre ter errado o ano em que seríamos vigiados por câmeras no estabelecimento de uma sociedade totalitária e vigilante. Lançada originalmente em 1948, a narrativa de Orwell é sufocante ao mostrar um mundo dividido em três grandes Estados: Eurásia, Lestásia e Oceania. Londres é a capital deste último que é liderado pelo Grande Irmão - um líder ditatorial que estabelece todas as regras de conduta e que é unipresente sob o uso de câmeras para vasculhar a vida dos cidadãos e conter comportamentos que são considerados dissonantes e, portanto, ameaçadores ao regime. A vigilância e a opressão afetam até mesmo o uso de palavras consideradas perigosas e todas relações sexuais - que são proibidas (afinal de contas, qualquer ato que desperte prazer é ameaçador, porque vai que as pessoas resolvam ter prazer em tudo que fazem?!). O protagonista da trama é Winston Smith (no filme vivido pelo bom John Hurt), um funcionário do Ministério da Verdade que fiscaliza as notícias publicadas nos jornais em busca de ameaças implícitas dos seguidores do inimigo do regime, um tal de Goldstein. No entanto, Smith mostra-se cada vez mais indiferente à esta sociedade castradora que o cerca, pelo menos até conhecer Julia (Suzanna Hamilton) e perceber que um pouco de rebeldia é capaz de dar graça aos seus dias - ainda que coloque em risco a sua mísera liberdade. Bem escrito, sombrio, apocalíptico e político na sua narrativa de um poder opressor, o livro de Orwell é obrigatório e precisa ser lido nem que seja para compreender o uso (assustador) do termo Big Brother. No entanto o filme de Michael Radford não consegue alcançar metade da intensidade da narrativa do livro, sua intenção parece ser mostrar como a vida é sem graça em Oceania, mas, com isso, compremeteu a graça de seu próprio filme. Sobra indiferença e distanciamento na trama consagrada que mostra-se cada vez mais atual quando um bando de desinformados cultuam os tempos da ditadura e exaltam a censura. Embora conte com uma bela direção de arte, ótima fotografia, trilha arrojada e um ator exemplar (Hurt) o filme não consegue encontrar seu ritmo sendo na melhor das hipóteses sonolento. Sei que a trama dó livro 1984 está longe de ser um thriller de ação como Minority Report (2002), mas também não é esta coisa arrastada que nos distancia cada vez mais dos personagens e suas angústias. Embora tenha alguns acertos o filme está longe de ter a grandiosidade do livro e torna-se apenas superficial em sua leitura de um clássico. Nem mesmo quando Smith é capturado o filme chega a empolgar. Chega a ser lamentável a forma como o filme passa por cima de questões atuais como o poder da imagem, a força do discurso, as campanhas de marketing governamentais que vendem realidades e a ameaça do poder transformador da rebeldia. A ideia de Radford foi fazer o filme para homenagear o livro no ano que lhe dá o título, mas a impressão que deixa é que trata-se de mais um desses que leem o livro e saem dizendo que "Orwell errou o ano!", sinceramente o que isso interessa diante do brilhantismo da obra de Orwell? Brilhantismo esse que acabou de fora desta adaptação burocrática. O livro teve uma versão anterior em 1956, mas esta é quase impossível de encontrar.

1984 (Reino Unido/1984) de Michael Radford com John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton e James Walker.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário