Barry Lyndon: ascenção e queda de um anti-herói irlandês.
Quando comecei a me interessar pela obra de Stanley Kubrick fiquei inquieto quando descobri que o diretor de Laranja Mecânica (1971) tinha um filme de época no currículo. Imaginei o estrago que um diretor inquieto como Kubrick seria capaz de fazer neste gênero, mas quando vi Barry Lyndon recentemente me dei conta que não é um estrago tão grande assim, ou melhor, não existe estrago nenhum. Lyndon é o filme mais comum do diretor, o que não quer dizer que seja ruim ou não tenha méritos. Soube que o filme não foi bem recebido quando foi lançado, mas se carregasse nos créditos o nome de qualquer outro diretor ele teria recebido elogios rasgados, aparecido nas cabeças do Oscar (que lhe deu até quatro Oscars técnicos) esse tipo de coisa. O nome Kubrick pesa, pesa tanto quanto as narrativas de seus filmes e Lyndon só parece ser diferente, a essência do gênio permanece ali. Como é que eu posso falar mal de um filme com o gigantesco cuidado visual que possui? Está certo que o filme é um mamute (as três horas de duração poderiam ser encurtadas em meia hora), mas está longe de ser sonolento (mas talvez eu ache isso porque curti muito mais a segunda parte do que a primeira). Ao levar para as telas a obra de William Makepeace Thackeray, sobre o fictício Barry Lyndon no século XVIII, Kubrick exercita mais uma vez suas ironias. É óbvio que a primeira parte, quando Barry (vivido por Ryan O'Neal) - ainda Redmund Barry - é puro pretexto para debochar do tom épico da narrativa - e o romântico Barry morre de amores por sua prima que é uma bela biscateira. Sendo ingênuo e imaturo é fácil para o personagem conquistar a nossa afinidade. Existe algo de juvenil no fato de fugir de casa, ficar sem rumo no mundo até se alistar no exército e se arrepender pouco depois. Pelas andanças de Barry ele tem sua visão de mundo transformada - e seu caráter também. Se na primeira parte o humor aparece nos momentos mais absurdos (como a trilha sonora jocosa ou piadas quase inacreditáveis, incluindo dois soldados homossexuais discutindo a relação enquanto tomam banho num rio) a segunda parte faz todo inverso. Da metade em diante, Barry realiza um golpe do baú com a bela Lady Lyndon (Marisa Berenson) e adota seu sobrenome. Belo, ainda jovem e rico não precisa nem dizer que o cara gasta sua fortuna em bebedeiras e orgias - para o desespero da mulher que fica cada vez mais melancólica. Todo romantismo e heroísmo de Barry vira do avesso quando vemos um personagem mulherengo, de caráter frio e agressivo (ele e o enteado nunca se entenderão). Embora pareça um filme de época como tantos outros, Kubrick é essencialmente um provocador, por isso seu filme não tem pudores em imprimir a mudança de seu personagem nos tons de sua narrativa. O que poderia ser um herói se torna um vilão aproveitador por decorrência dos fatos e nisso existe muito do filósofo Rousseau no filme - e sua afirmação de que o "homem nasce bom e a sociedade que o corrompe". O que Barry Lyndon nos pergunta é até que ponto o homem é um joguete dos apelos de uma vida de excessos? Mesmo com toda a pompa visual, a história do filme é essencialmente sobre um sujeito que se torna cada vez mais mal-caráter (embora eu ache que a atuação de O'Neal pudesse ter mais energia), ou seja, um querido mocinho que se torna num odioso vilão enquanto luta pelo seu posto na nobreza.
Barry Lyndon (Reino Unido - 1975) de Stanley Kubrick com Ryan O'Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee e Gay Hamilton. ☻☻☻☻
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