Grifiths e Collette: momento ABBA.
Lembro da primeira vez que vi O Casamento de Muriel do australiano PJ Hogan, lembro que ao fim da sessão eu fiquei num estado de alegria que se repetiu em todas as vezes que assisiti o filme (vale ressaltar que é um dos que mais revi em minha vida cinéfila, o que, pelos meus cálculos, já deve estar perto de uma dezena de vezes). Acho que um dos maiores méritos do filme é não ter aquela cara das típicas comédias americanas bonitinhas, onde todo mundo é belo e bom numa artificialidade irritante. Apesar de ser uma comédia com um visual que abraça a cafonice sem complexos o filme tem um bocado de melancolia ao acompanhar as desventuras da gordinha Muriel Heslop (a estupenda Toni Collette). O sonho dela é se casar e provar para todos que a cercam que ela não é inútil como pensam - especialmente os pais, sempre eles - mas as coisas não são muito fáceis. Logo no início do filme, Muriel passa vergonha numa festa de casamento ao ser acusada de furto. O casamento em questão é de uma de suas "amigas" enjoadas que se divertem pegando no pé da jovem que é fã do Abba e que parece ter se acostumado a ser ridicularizada por todo mundo. Naquela época nem se falava de bullying, mas Muriel é uma típica vítima dessa perseguição sistemática que alguns pseudoamigos teimam em fazer para verem alguma (des)graça na vida. Muriel é filha de um político local e seus irmãos não são muito ajustados. Esse núcleo familiar é mostrado de forma disfuncional com um pai rígido (Bill Hunter) e uma mãe submissa (Jeanie Drynan). Parece que todo o filme foi construído para mostrar que naquele ambiente sufocante, Muriel jamais poderia ser feliz - e o fato de suas "amigas" declararem que não querem mais andar com ela ajuda mais ainda nisso. Eis que surge a chance de mudar de vida e numa viagem ela reencontra uma antiga colega de escola, a luminosa Rhonda (a ótima Rachel Grifiths). Ao lado de Rhonda, Muriel terá o incentivo que precisa para mudar de vida, ir para Sidney, trabalhar, perder peso e encontrar o casamento de seus sonhos. Tudo poderia cair no lugar comum se o diretor Hogan sempre deixasse as situações com desfechos surpresa que nunca saem do ritmo com a ajuda de suas talentosas atrizes. A protagonista do filme acaba se envolvendo numa rede de mentiras que possuem efeitos cômicos (como dizer para Rhonda que está fugindo do noivo policial que era muito ciumento) ou dramáticos (o fato de experimentar vestidos de noiva contando histórias tristes para ser fotografada com os vestidos), após alguns acontecimentos ela acaba num casamento que não é o sonhado por ela, mas que consegue despertar nos outros a impressão que de tornou-se uma mulher de sucesso. O mais legal do filme é que o casório em si está em segundo plano, fazendo com que Muriel perceba que mais importante do que ter um esposo é casar-se primeiro consigo mesma. É impressionante como Hogan nunca deixa as coisas passarem do tom (ainda que o filme tenha cores vibrantes e que Hogan repetiu de forma mais branda no sucesso de O Casamento do Meu Melhor Amigo/1997 e no recente Delírios de Consumo de Becky Bloom/2009). O cineasta evita o melodrama, não há vulgaridade mesmo nas cenas mais picantes e sempre mantém o foco na trajetória errônea de Muriel que é defendida com unhas e dentes por Toni. O filme revelou Toni Collette para o mundo e desde então ela tem enfileirado filme após filme em Hollywood, tendo sido indicada ao Oscar pelo papel da mãe dedicada de O Sexto Sentido (1999) e multipremiada pelo seriado United States of Tara (2009-2010) - neste ano ela repete a parceria com o diretor na dramédia Mental. Mesmo estando fora dos padrões de beleza ela consegue criar uma personagem irresistivelmente humana e até sensual, isso sem contar que a trilha sonora de sua vida é feita de puro Abba. Dizem que o grupo ficou com o pé atrás quando foi solicitado o uso de suas canções - com medo de serem ridicularizadas, mas o resultado é uma homenagem ao repertório açucarado do grupo (o número de Rhonda e Muriel cantando Waterloo é arrepiante, o casamento com I do, I do, I do, Ido é genial e Muriel falando que sua vida é está tão boa quanto Dancing Queen é inacreditavelmente comovente). Diferente do boboca Mamma Mia! (2008), O Casamento de Muriel sabe usar o apelo pop de sua trilha para enfatizar a transformação pela qual passa sua personagem, um patinho feio que pode não virar um cisne, mas que descobre que o fundamental é gostar de si mesma.
O Casamento de Muriel (Muriel's Wedding/Austrália - 1994) de PJ Hogan com Toni Collette, Rachel Grifiths, Bill Hunter, Daniel Lapayne e Matt Day. ☻☻☻☻
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