Buscapé e Puro Sangue: Selton em estado de graça.
O segundo filme de Selton Mello na direção não poderia ser mais diferente do que seu primogênito Feliz Natal de 2008. Embora ambos tenham as relações familiares como forte elemento na construção da identidade, em O Palhaço existe a busca por um humor até pueril - enquanto o outro preferia construir uma atmosfera obscura das relações de uma família problemática. A família do novo filme de Selton é formada por uma trupe circense, nela somos apresentados a Benjamin (o diretor Seltom), um palhaço que apesar de provocar risos está em crise com a profissão herdada do pai (vivido pelo exemplar Paulo José). Benjamin é o palhaço Pangaré, filho do dono do circo, o palhaço Puro Sangue (nem vou me aprofundar nas interpretações que esses nomes carregam). Talvez o jovem Pangaré esteja cansado do dinheiro contado, das plateias minguadas, da vida nômade e até do fato de, por ser palhaço, as pessoas nunca o levarem a sério. Apesar de inserir seus personagens em situações que podem parecer excêntricas, Selton tem o maior cuidado de afastá-los de qualquer tom sombrio, os aproximando sempre de uma conotação ingênua (como o personagem que se identifica com um quadro de bode e especula sobre a sua semelhança com esse bicho, o casal que oxigena os cabelos para se passarem por astros russos), essa necessidade é ainda mais presente quando temos a impressão de observarmos os bastidores da vida daquele grupo pelas lentes de uma criança. O filme constrói suas cenas como se fossemos espectadores do espetáculos, a câmera frontal aos artistas e adicionando cores quentes ao show - os espetáculos da companhia são repletos de muita luz, cores vermelhas e amarelas numa construção cênica acolhedora que contrasta com com a aridez do mundo externo, isento de fantasias e desentendimentos, esse contraste é mostrado de forma sutil e convincente. Com um humor lento, contido e pausado, um olhar ou gesto pode ser tão engraçado quanto triste. Uma cena em que isso se torna claro é quando Benjamin se encontra com a personagem de Fabiana Karla, uma cena de delicada sensualidade brejeira onde ambos brincam com as expectativas desse tipo de encontro. Karla é apenas uma das participações especiais do filme, o diretor ainda consegue momentos memoráveis de Tonico Pereira, Jorge Loredo (intérprete do personagem Zé Bonitinho), Emílio Orcciolo Neto, o envelhecido Ferrugem e Moacyr Franco (na pele de um inusitado delegado que lhe rendeu o prêmio de melhor coadjuvante no Festival de Brasília). Selton reserva até um momento revelador com o irmão Dantom Mello (onde ambos disputam a mesma garota, curiosamente, Danton interpretou um personagem chamado Benjamin no filme homônimo de Monique Ganderberg, onde Paulo José fazia seu papel na vida adulta). Essa busca de Benjamin pelo seu próprio caminho tem momentos de genialidade, menos como a certidão de nascimento ou do personagem se descabelando na frente do espelho e mais quando descobre que todos tem seus momentos de fazer graça, mas sem o privilégio de ser um profissional do assunto. Mostrando maturidade na segunda aventura na direção, Mello se despe do seu cinismo e busca uma atuação que equilibre seu lado Chicó (personagem que viveu em O Auto da Compadecida/2000) e o período que dublou Charlie Brown no desenho do Snoopy, o resultado é uma atuação precisamente discreta e generosa com seus parceiros de cena. Muitos ressaltaram o quanto o filme tem uma atmosfera totalmente brasileira ao abordar a alegria em meio às adversidades, mas duvido que o filme queira ressaltar esse estereótipo. O Palhaço é um filme de minuciosa construção sobre a insatisfação humana - sendo mais rico do que você imagina numa primeira olhada.
O Palhaço (Brasil/2011) de Selton Mello com Selton Mello, Paulo José, Moacyr Franco, Giselle Mota, Teuda Bara e Álamo Facó. ☻☻☻☻
O Palhaço (Brasil/2011) de Selton Mello com Selton Mello, Paulo José, Moacyr Franco, Giselle Mota, Teuda Bara e Álamo Facó. ☻☻☻☻
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