Eu já tinha escutado sobre esse filme estrelado por James Franco, mas, devido à sua temática e formato que mistura documentário e ficção, imaginei que seria um desses casos que fugiriam do meu alcance para sempre. Sorte que ainda existem canais na TV por assinatura que reservam espaço para filmes que a maioria das pessoas consideram esquisitos e até indigestos. O longa da dupla Rob Epstein e Jeffrey Friedman (ambos veteranos de premiados documentários como "Nos Tempos de Harvey Milk"/1984, "Celulóide Secreto"/1995 e "Parágrafo 175"/2000) chamou atenção em Sundance ao contar a história do poeta do movimento beat Allen Ginsberg, ou melhor, sua narrativa multifacetada procura dar conta de uma gama impressionante de informações sobre Ginsberg e funciona por boa parte da sessão. O título se refere à polêmica obra de Ginsberg que serve de ponto de partida para o roteiro. O livro Uivo foi lançado no outono de 1958 com base nas experiências pessoais de Allen com pessoas que conheceu pelo caminho. Essas referências foram transformadas em poemas repletos de angústia e desilusão que alternam momentos iluminados com outros que profetizam o apocalipse. Devido ao uso de palavras impregnadas de conotação sexual, o livro foi apreendido pela polícia de São Francisco sob a acusação de não ser literatura, apenas uma coleção de obscenidades. Não satisfeito em retratar o julgamento do livro, o filme alterna o julgamento com uma entrevista de Ginsberg (interpretado com magnífica eficiência por James Franco), cenas de flashback em preto e branco, animações baseadas na obra e momentos do escritor recitando para amigos com uma solenidade arrepiante. São cinco segmentos que conseguem ser costurados com bastante competências (as cenas de animação projetadas à voz de Franco alcança o sublime em alguns momentos). O filme revela bastante da personalidade de Ginsberg, sua tentativa de escrever numa espécie de confissão sobre sua personalidade, a forma como lidava com a loucura de sua mãe e amigos, além de seus amores homossexuais. Essas angústias que o personagem parece exorcizar são os mesmos elementos que o julgamento de sua obra tentam ignorar, preferindo deixar toda a tristeza ofuscada pelo uso de palavras que podem ser interpretadas como palavrões, mas que se enriquecem nas metáforas de seus versos. O moralismo americano ainda não estava preparado para ler sobre sujeitos que sacodem "manuscritos e genitais" sobre os telhados ou qualquer outra coisa que fizesse referência a sordidez que estava escondida debaixo do tapete do american way of life. O julgamento é uma verdadeira aula sobre o valor da liberdade de expressão. Afinal como podemos traduzir poesia em prosa? Ou dizer exatamente o que um poeta pensa ao escrever os seus versos? Ou até prever a relevância de uma obra para as futuras gerações? Que dirá estabelecer regras para avaliar o que é literatura ou não? Quando o filme aprofunda essas questões à luz da entrevista reveladora de Ginsberg o filme funciona muito bem (o entrevistador pergunta: "Por que não foi ao julgamento?". Ginsberg responde: "Não sou eu que estou sendo julgado, mas o meu livro"!), guardando o melhor para o final, quando Ginsberg diz como escolhe as palavras ou que muitas vezes ele só entende sua própria obra dois anos depois de escrevê-la. Precisa dizer que o julgamento garantiu a projeção que o livro precisava para se tornar o clássico que inaugurou o movimento beat ao lado de Na Estrada/On the Road de Jack Kerouac (que acaba de virar filme de Walter Salles). No entanto, Uivo se torna um filme cansativo com o passar de uma hora de projeção, os cortes constantes e as repetições de partes do poema podem irritar o mais devoto dos fãs do escritor, porém, nada que a James Franco não compense com sua atuação de mãos inquietas e fala quase arrastada. Acho que Danny Boyle percebeu aqui que o rapaz seria capaz de carregar 127 Horas/2010 nas costas com grande facilidade, afinal Uivo é infinitamente mais difícil de acompanhar, mas Franco torna um programa fascinante na forma como descasca o personagem que se tornou um dos maiores poetas americanos do século XX. Fico impressionado com a forma como Franco conduz sua carreira, você sabia que ele tem Mestrado e Doutorado e leciona na faculdade de Literatura da Universidade de Nova York na cadeira que ensina como transpor poesia para o cinema? Talvez por isso o ator esteja tão a vontade em Uivo, que deixa claro o interesse do ator em levar o cinema a sério.
Uivo (Howl/EUA-2010) de Rob Epstein e Jeffrey Friedman com James Franco, John Hamm, David Strathairn, Bob Balaban, Mary-Louise Parker, Aaron Tveit, Alessandro Nivola e Jeff Daniels. ☻☻☻☻
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