Gilberto: planos bizarros ou fantasias sexuais?
Sempre acho interessante quando um documentário consegue ampliar sua ideia ao ponto de deixar uma temática muito mais ampla, de preferência uma temática que você nem imaginava que o filme iria abordar. Em O Caso do Policial Canibal, documentário produzido pelo canal HBO, conhecemos mais de perto a estranha história de Gilberto Valles, um policial de Nova York que foi preso sob a acusação de planejar sequestrar, matar, cozinhar e devorar quatro mulheres. O que promete ser um retrato bizarro de uma mente doentia, revela-se o ponto de partida de temas muito mais amplos. Casado e pai de uma menina (ainda bebê), Gilberto tinha trinta anos quando a esposa o denunciou à polícia por conta de registros, em seu computador, onde descrevia com requintes de crueldade o que faria com suas possíveis vítimas, incluindo a própria esposa. Valles foi preso e condenado à prisão perpétua, mas foi liberado vinte um meses depois por... ausência de provas. Afinal, não havia vítimas, armas ou qualquer outra coisa que o próprio Gilberto e os advogados de defesa não pudessem classificar como meras fantasias - já que Valles descrevia seus planos no chat de um site pornográfico que dava vasão aos pensamentos sexuais mais agressivos de seus usuários. Ainda que na grande maioria das conversas, quando indagado se faria realmente o que descrevia, o policial dissesse que não seria capaz, em três delas ele parece realmente disposto a fazer o que descrevia. Entre visita à uma futura vítima, buscas por temas estranhos no Google, descrições de apetrechos a serem usados e uma casa afastada com fogão industrial no porão, tudo no caso é o suficiente para confundir o que era imaginário e o que poderia se tornar realidade. Mas quem seria capaz de arriscar um veredicto que o inocentasse? Ainda mais com a ideia de que Gilberto utilizava o banco de dados da polícia para encontrar suas vítimas em potencial (sendo esse o verdadeiro crime cometido por ele). Na maior parte das cenas, Gilberto parece a versão humana de um Ursino Carinhoso, sua fala é mansa, seu olhar é inofensivo, seu sorriso é simpático e sempre utilizando palavras que reforçam o quanto nem ele mesmo se reconhecia no que escrevia na internet. Até que ponto tudo era fantasia ou uma real intenção? Será que se não houvesse a denúncia, Valles não teria feito alguma vítima? São perguntas que provocam incertezas, mas que denotam o que havia de mais estranho no caso: não houve vítimas, portanto, não houve crime e ainda assim, Gilberto sofria as consequências para além dos delitos que havia cometido. O Caso do Policial Canibal revela não apenas o lado mais sombrio de pessoas que julgamos tão próximas, mas mergulha num mundo obscuro presente na internet onde fantasias e intenções se misturam, conhecidos podem se tornar cúmplices e amigos em vítimas. Assim, o filme deixa ainda mais nebulosa a imagem de Gilberto Valles - e de muita gente que revela seus pensamentos mais sinistros na internet. Além disso, ressalta no espectador seus próprios conceitos sobre crime e justiça, numa sucessão de ideias que podem terminar sem respostas.
O Caso do Policial Canibal (Thougth Crimes: The Case of the Cannibal Cop/EUA-2015) de Erin Lee Carr com Gilberto Valles, Gary Allen e Violet Blue. ☻☻☻
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