Abrahan e Idris: já vi esse filme.
Muito se comenta sobre a chance do Netflix conseguir indicações ao Oscar por sua primeira empreitada no mundo do cinema. Lançado no serviço de streaming no da 16 de outubro, o filme causou polêmica por ser disponibilizado na internet enquanto a companhia tentava vendê-lo para as salas de cinema. As grandes companhias descartaram essa possibilidade, mas meia-dúzia de salas toparam o desafio de exibi-lo. No Brasil ninguém se candidatou à empreitada e os assinantes do Netflix já ajudaram a fazer o filme o recordistas de acessos de longa-metragens em sua estreia no site. Ainda me pergunto o que fez com que entre tantos projetos, os produtores do Netflix escolhessem uma trama ambientada na África, com doses cavalares de violência e crianças portando armas. Penso que ao mesmo tempo que ganham a força de um tema politizado, conseguem agradar quem curte cenas de ação bem executadas. Conciliando sua audiência mais cabeça e os que curtem filmes de ação, o filme já provou ser um sucesso. O filme começou a carreira muito bem disputando o Leão de Ouro no Festival de Veneza (mas ganhou apenas o prêmio de ator revelação para o menino Abrahan Attah) e sendo exibido no Festival de Toronto, tendo a assinatura de Cary Joji Fukunaga (que ganhou muito prestígio depois de dirigir a ótima primeira temporada do seriado True Detective na HBO, mas vale a pena conferir sua versão de Jane Eyre/2011 com Michael Fassbender), foi ele que escreveu e dirigiu o filme. Embora eu considere o roteiro um tanto frouxo, a direção consegue compensar isso com uma tensão crescente e incômoda diante da história de Agu (Abrahan Attah), um menino que vivia num vilarejo de um país indefinido no oeste africano com a família, até que a guerra invade sua vida. A mãe e o irmão mais novo fogem para a capital, ele fica com o pai e o irmão mais velho, mas diante da morte de ambos, ele precisa lutar pela própria sobrevivência. Ele foge para a floresta e acaba recrutado por um comandante sanguinário (o excelente Idris Elba) e seu bando da Força de Defesa Nativa. Tem início então a dura vida de Agu no mundo dos guerrilheiros, fazendo com que deixe a infância para trás e se torne uma criança-soldado. Encarando a morte a todo instante, Agu percebe que não poderá voltar a ser a mesma criança de antes. Ancorado em cenas fortes, no carisma de Abrahan e no talento de Elba (que dá conta de nuances complicadas de um personagem execrável), o filme faz algumas opções que me incomodam bastante. A primeira é a parte inicial, que apresenta a família de Agu como se fosse composta por personagens de uma sitcom, o que rende uma artificialidade que não combina com o choque realista que o filme promovera em seguida. Outro ponto é o fato da guerra civil ser cuspida na tela. Como tantos outros filmes que retratam a guerra civil no território africano, parece que ela surge ao acaso, sem explicação de um lado ou de outro, servindo apenas para empilhar cadáveres. Diante disso, o fato do filme utilizar todos os recursos geradores de polêmica (crianças armadas, consumos de drogas, prostituição, pedofilia...) para dar ao público a sensação de que ver o filme é um exercício de ajudar a fazer um mundo melhor, acho estranho o país não ter nome, não sabermos a causa de nada do que vemos na tela, reduzindo tudo ao um espetáculo de violência. Pode parecer que sou duro demais com o filme, mas não sei se o que vi era a intenção do livro do médico nigeriano Uzodinma Iweala (que fez o livro como sua tese em escrita criativa em Harvard), tudo me pareceu um longe déjà vu apelativo, mas o problema deve ser que eu já vi muito filme com história semelhante - especialmente Rebelle/2012 (aqui chamado A Feiticeira da Guerra), um filme canadense, pouco conhecido, que concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2013. Acho que Beasts of No Nation terá grande obstáculos para chegar ao Oscar, mas pelo menos Idris Elba merecia ser lembrado por, sempre que entra em cena, me fazer esquecer minhas ressalvas quanto ao filme.
Beasts of No Nation (EUA/2015) de Cary Joji Fukunaga com Abrahan Attah, Idris Elba, Andrew Adote e Bernard Quaye. ☻☻☻
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