Segel e Jesse: cinco dias de entrevista.
Em 2015 Jason Segel deixou definitivamente de ser um "comediante" para ser um "ator". Os comediantes sabem o que isso tem de verdadeiro e um tanto pejorativo, afinal, comediantes sempre geram desconfiança (e muita curiosidade) quando são escolhidos para viver papéis dramáticos. É verdade que o grandão (1,93 metro) já havia demonstrado capacidade de gerar mais do que risadas em alguns de seus filmes, mas o que vemos em O Fim da Turnê é um momento importante de sua carreira, um verdadeiro divisor de águas, já que o ator desaparece completamente na pele do complexo escritor David Foster Wallace. A sua interpretação de um dos maiores gênios da recente literatura americana é sutil o bastante para ampliar nossa percepção sobre um autor que se suicidou aos 46 anos, em 2008, o fato o tornou um mito e uma espécie de enigma. Eu ouvi falar de David Foster Wallace quando sua obra-prima The Infinite Jest foi lançada em 2013 aqui no Brasil sob o título de Graça Infinita. Lançado originalmente em 1998, o livro com 1.139 páginas, foi rapidamente considerado uma das maiores obras da língua inglesa com sua história sobre um futuro onde um programa de televisão hipnotiza seus espectadores. O livro foi escrito enquanto David tentava exorcizar seu passado depressivo, alimentado por álcool e instituições psiquiátricas. Tendo isso em vista, O Final da Turnê torna-se ainda mais interessante, já que retrata a entrevista feita por David Lipsky (Jesse Eisenberg), também escritor (Lipsky lançou seu primeiro livro no mesmo ano que Graça Infinita) e jornalista da revista Rolling Stone. A entrevista foi realizada no período em que David terminava sua turnê de divulgação do livro - que já era um sucesso de crítica - e o filme é baseado no livro lançado por Lipsky sobre os cinco dias de convivência para uma entrevista que nunca foi publicada. O filme começa quando Lipsky é informado sobre o suicídio de Wallace e a narrativa caminha pautada em suas memórias. Com tantos elogios, David Foster Wallace (Jason Segel) surge como a antítese do que imaginamos, inteligente e sem traço de arrogância, aparece como um sujeito comum que não sente-se seduzido pelas ilusões de fama e o culto da mídia e reclama de não poder lecionar tão bem quanto poderia. Wallace não vê conflitos em sua infância ou vida familiar e pretende preservar quem o cerca da publicação da entrevista e, nesse ponto, ao mesmo tempo que Lipsky lhe parece tão próximo e íntimo como um amigo, ao mesmo tempo surge como uma ameaça para a bolha de estabilidade que criou em torno de si mesmo. Por outro lado, Lipsky não consegue esconder sua admiração por Wallace e o desejo de ter parte daquele reconhecimento como autor. É interessante como o diretor Jason Ponsoldt (de O Maravilhoso Agora/2013 e Smashed/2012) não tem receio de centrar sua narrativa nas conversas dos dois sujeitos, refletindo a admiração e as reservas que nascem entre os dois (além de reafirmar o interesse do cineasta por personagens que enfrentam o limite). Das ambições de Lipsky à serenidade de Wallace, sempre paira sobre eles o fantasma do suicídio, o que nutre o filme de uma melancolia de outro mundo, que ressignifica cada palavra, gesto ou olhar do personagem, por isso mesmo, Jason Segel está de parabéns por preencher o personagem com uma alma quase transparente, que revela-se aos poucos e se despede de nós com algumas das cenas mais emocionantes que já vi no cinema recente. O Fim da Turnê deve aparecer somente entre os indicados aos prêmios do cinema independente (o Independent Spirit indicou Segel e o roteiro), mas merece um lugar de destaque na minha memória.
David Foster Wallace in memorian.
O Fim da Turnê (The End of The Tour/EUA-2015) de Jason Ponsoldt com Jason Segel, Jesse Eisenberg, Mammie Gummer, Joan Cusack e Anna Chlumsky. ☻☻☻☻
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