Seis histórias: o faroeste segundo os manos Coen.
Produzindo cada vez mais material próprio, a Netflix percebeu que ter material feito por pessoas renomadas lhe rende prestígio e assinantes. Foi assim que os irmãos Ethan e Joel Coen foram parar no serviço de streaming para produzir uma série de antologia de seis episódios sobre o velho oeste. Até imagino quando os envolvidos assistiram os episódios e imaginaram que se todos fossem montados no formato de um filme a Netflix teria chance de aparecer nas grandes premiações. Por conta desta estratégia, The Ballad of Buster Scruggs saiu do Festival de Veneza com o prêmio de melhor roteiro - muito merecido, já que os irmãos mais descolados de Hollywood oferecem, em pouco mais de duas horas, um olhar bastante particular para aquele universo um tanto saturado por clássicos e obras de gosto duvidoso. Não é novidade que os Coen amam o cinemão clássico e que já faz algum tempo que o faroeste tem sido o gênero da vez nas mãos deles, aqui eles dão sua voz a seis histórias que só poderiam ter sido imaginadas por eles, seja em suas ironias, dramas ou sutilezas e o resultado é interessantíssimo. O filme se apresenta como se fosse um livro de contos, o primeiro deles é o que dá nome ao filme e conta a história de um violeiro que cavalga pelo deserto, mas que se revela um pistoleiro bastante habilidoso entre uma canção e outra. É uma boa escolha para introduzir o espectador ao universo do filme, já que existe humor, violência, elementos absurdos e clichês revirados como só os dois são capazes de fazer. Ao final da história nos deparamos com um elemento que perpassa todas as histórias: a morte. Talvez ela seja o elemento principal da história do ladrão vivido por James Franco, que em uma sucessão de trapalhadas (de um colete a prova de balas improvisado inacreditável, um cavalo que insiste em comer capim quando você está com a corda no pescoço e o "é sua primeira vez" com um sentido nunca ouvido antes). O humor negro dá o tom desta história que apresenta Franco em um dos seus melhores momentos, pena que dura pouco. Depois é a vez de Liam Neeson aparecer na história mais melancólica do filme, especialmente pela excelente atuação de Harry Melling, como um artista sem os membros que atravessa o país como atração de circo. Com poucos diálogos e um senso se tragédia anunciada, talvez seja uma das melhores narrativas já construída pelos dois irmãos, principalmente pelas inúmeras analogias que é capaz de proporcionar (e o final é de partir o coração). Neeson tira de letra o tom intimista da história que tem em mãos, mas é Melling que realmente impressiona - curiosamente é um ator que fez pouco cinema, tirando a saga Harry Potter (em que - pasmem - interpretava o primo insuportável do bruxinho) ele fez Z: A Cidade Perdida/2017 e... só! Um ator para se ficar de olho. Os Coen ainda nos dão a honra de assistir Tom Waits voltando ao cinema como um garimpeiro na história mais contemplativa de todo o filme. Mais uma vez o roteiro tem poucos diálogos, afinal, Waits carrega o episódio sozinho quase o tempo inteiro (embora acompanhado por um grupo de animais, com destaque para uma expressiva coruja). O episódio só destaca ainda mais o cuidado técnico da produção com a edição, a fotografia e o ritmo preciso impresso pelos irmãos. No penúltimo episódio Zoe Kazan se junta à uma diligência para encontrar o marido arranjado pelo irmão um tanto... confuso. Esta é a história romântica do filme, embora o romance apareça de forma inusitada - desde que Bill Heck aparece descabelado, barbudo, sujo, suado e com olhos brilhantes ao lado da donzela indefesa você já imagina o que irá acontecer entre os dois... ou quase. Talvez seja a história mais convencional que compõe o filme, mas ainda é um verdadeiro deleite a sensação de que algo imprevisível está à espreita. Para terminar, os Coen investem numa atmosfera surrealista, que parece um despretensioso conflito entre passageiros de uma carruagem - e eles nem fazem ideia para onde estão indo (e todos os atores estão impecáveis brincando com o texto) -, mas este arremate só poderia sair da mente de uma das duplas mais criativas de Hollywood. Algumas pessoas podem considerar que o formato episódico (que revela-se um passeio por diversos gêneros cinematográficos, algo que o faroeste serve muito bem) seja um problema para o filme, mas faz tempo que não vejo um trabalho tão coerente neste modelo de estrutura narrativa. Além disso, a Netflix foi bastante esperta, já que o espectador pode ver o filme por episódios ou inteiro que em nada prejudica o programa. Só espero que os Coen continuem com o desejo de contar novas histórias em uma nova temporada - ou novo filme.
The Ballad of Buster Scruggs (EUA-2018) de Joel e Ethan Coen com Tim Blake Nelson, James Franco, Liam Neeson, Harry Melling, Zoe Kazan, Bill Heck, Jonjo O'Neill, Brendan Gleeson, Saul Rubinek e Tyne Daly.
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