Sheila: enfrentando o passado.
No dicionário, cardinal significa o número ou quantidade de elementos que constituem um conjunto. Dirigido pela dupla Grayson Moore e Aidan Shipley, o longa canadense Cardinals pode surpreender pela forma como apresenta os elementos em sua premissa. É o tipo de filme que é complicado escrever sobre sem estragar a surpresa que é montar as peças que se juntam conforme o roteiro (assinado por Moore) apresenta seus personagens. O filme começa com cenas curtas um tanto soltas que deixam lacunas propositais para a narrativa. Quando o texto encontra seu foco, conhecemos Valerie (Sheila McCarthy), uma senhora que acaba de sair da prisão. O que poderia ser só mais um filme sobre o retorno para o lar de alguém que passou vários anos atrás das grades começa a mudar de rumo conforme conhecemos melhor a história e seus segredos. Uma visita aqui, a identidade da vítima ali, um relato revelador que precisa ser analisado em seus mínimos detalhes, uma sugestão, as presença de um agente da condicional... aos poucos a verdade sobre o caso se revela bem diferente do que era na época. A suspeita de que Valerie escondia seu alcoolismo da família parece ter fragilizado um pouco os laços com a família após o incidente, mas na verdade tudo é bem mais complicado. A direção do filme opta por uma abordagem lenta, com longos silêncios, flashes pontuais do passado e atuações contidas e funciona. A veterana Sheila McCarthy acerta no tom da personagem, que se recusa a ser a vilã da história, assim como a vítima de uma injustiça, preferindo ficar apenas quieta com as consequências de seus atos. Esta sensação só se amplia quando ela se encontra com o jovem vizinho Mark (Noah Reid) que suspeita que existe algo por trás de toda a confusão que aconteceu na época. Não tem jeito, o destino dos dois está ligado e enfrentar a angústia dele pode ser a tarefa mais difícil. Cardinals complexifica a história e eleva a tensão sem criar guinadas mirabolantes ou cenas gratuitas, tudo é contido, sofrido, misterioso, mas pleno no sentido de que esconde o seu maior segredo. É um trabalho narrativo interessante que prende a atenção e ainda faz pensar sobre a ideia de fazer justiça com as próprias mãos (além das marcas que esta ideia pode deixar). Justiça, vingança, verdades, mentiras e segredos se misturam por toda a história - que também funcionaria muito bem sobre um palco. Modesto em sua concepção, mas engenhoso em sua construção, Cardinals surpreende.
Cardinals (Canadá/2017) de Grayson Moore e Aidan Shipley com Sheila McCarthy, Noah Reid, Katie Boland, Grace Glowicki, Peter MacNeill e Peter Spence. ☻☻☻☻
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