sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Na Tela: Bohemian Rhapsody

Lee, Malek e Joseph:  Queen em ação. 

Bohemian Rhapsody deve estar em alguma lista de filmes de produção mais complicada dos últimos anos. Ainda lembro quando o comediante Sacha Baron Cohen queria estrelar o filme sobre a vida de Freddie Mercury. Assim que começou a ser escrito os integrantes do Queen ficaram de cabelo em pé com a história que ele queria contar sobre o vocalista da banda. Como a ideia de ter um filme sobre um dos maiores ícones da história do rock era melhor do que a ideia de ter Sacha à frente do elenco, os produtores começaram a lapidar a ideia conforme os membros remanescentes da banda pediam. Eu já imaginava que o tom de biografia autorizada seria impresso e foi com estes olhos que fui assistir ao filme no feriado chuvoso de dois de novembro. Com a saída de Sacha Baron Cohen, quem assumiu o papel de Freddie foi Rami Malek, o interessante protagonista da série Mr. Robot e que depois de ganhar prêmios pelo seu trabalho na TV, recebe aqui a chance de aparecer nas premiações cinematográficas (pelo menos a indicação ao Globo de Ouro é tida como certa). Malek faz realmente um bom trabalho ao capturar o gestual, os olhares e trejeitos de Freddie, tentando se equilibrar entre as ambiguidades do personagem sem perder o coração. Vale registrar que embora aparecesse na mídia como o retrato de uma vida extravagante, Freddie era bem mais recluso do que se imagina. Não gostava de falar muito sobre a vida pessoal (provavelmente pelo conflito entre sua educação conservadora e a identidade sexual que construiu), o que dificultou ainda mais o trabalho de elaboração do roteiro. Não resta dúvida de que o ponto fraco do filme é do texto, que não traz novidades e constrói sua história de forma bastante convencional, demonstrando a origem da banda, o sucesso arrebatador e a crise que se instaura quando a personalidade de Freddie se torna mais egocêntrica. Quase não há aprofundamento dos personagens, sendo eles observados somente na superfície, especialmente pelo relacionamento que tinham dentro da banda. Das brigas sobre repertório, passando pela construção da sonoridade de cada álbum e de cultuados hits, o filme olha seus personagens com o carinho de um fã - e a caracterização do elenco ajuda bastante neste aspecto. Malek tira de letra a estranha dentadura que colocaram nele, sem ridicularizá-la e humanizando Freddie mesmo em seus momentos mais complicados. Gwilyn Lee está perfeito como o guitarrista Brian May, assim como Ben Hardy na pele do bateirista Roger Taylor. Joseph Mazello está bem como o discreto baixista Joe Deacon, mas eu curti mais rever o menino crescido de Jurassic Park (1993) do que apreciar a semelhança entre os dois. Outro destaque do elenco é Lucy Boynton, como o maior elo emocional de Freddie em todo o filme - o relacionamento entre os dois poderia ser um pouquinho mais elaborado, mas a química entre os dois funciona do mesmo jeito. Embora o filme trate a sexualidade de Freddie de forma discreta, houve polêmica nos cinemas brasileiros de alguns desavisados que ficaram indignados ao ver o retrato de um artista gay na tela grande, ainda bem que na sessão em que fui  plateia só dizia alguma coisa quando cantava baixinho as músicas da banda.  Bohemian Rhapsody pode não ser perfeito, mas foi realizado com esmero. A reconstituição de época, a maquiagem, figurinos e condução do elenco é  bastante dedicada. Além disso, a reconstituição da apresentação no Live Aid impressiona - o que é um ponto positivo, afinal, o festival abre e fecha o longa. Mesmo envolvendo sexo, drogas e o aparecimento da AIDS, a direção opta por uma leveza que por vezes destoa do que vemos na tela, talvez esta sensação tenha relação com a saída de Brian Singer (que assina a direção, embora tenha saído no meio da produção depois de uma briga feia com Rami) e a chegada de Dexter Fletcher (do divertido Voando Alto/2016). Por mais que o filme tenha esta costura invisível, a saída de um diretor e a entrada do outro costuma ser uma situação problemática para o resultado final (e Fletcher em breve lançará outra cinebio de um artista extravagante: Rocketman, sobre Elton John). Pode ser por evocar nossa nostalgia, mas eu sai satisfeito do cinema e emocionado em relembrar a trajetória de um dos cantores mais marcantes da história da música. 

Bohemian Rhapsody (Reino Unido - EUA / 2018) de Brian Singer com Rami Malek, Gwilyn Lee, Ben Hardy, Joseph Mazello, Lucy Boynton, Aidan Gillen, Allen Leech, Tom Hollander e Mike Myers. ☻☻☻

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