Krista e Strang: alívios inesperados.
De vez em quando um filme se aventura pelo mundo BDSM e as polêmicas já começam a se formar em torno dele, muitas vezes por conta da incapacidade da produção explorar este universo com a complexidade que deveria (nem vou citar o que fizeram em Cinquenta Tons de Cinza/2015). O finlandês Cachorros Não Usam Calças resolve seguir um caminho diferente e acerta ao inserir camadas dramáticas na relação de um homem com a sua dominatrix, bem, na verdade, o filme é muito mais sobre as sensações que os encontros entre os dois proporcionam a ele... são justamente estas sensações que conseguem dar sustentação dramática ao filme. Juha (Pekka Strang) é um médico viúvo que ainda sofre com o suicídio da esposa. O impacto da perda foi tão grande que Juha parece estar anestesiado emocionalmente desde então, o que impede até um relacionamento mais próximo com a filha - que tinha quatro anos quando se tornou órfã e agora já é uma adolescente (vivida por Ilona Huhta). Se ela é a pessoa mais próxima de Juha e podemos perceber o abismo que existe entre os dois, você pode imaginar a situação emocional do protagonista. Eis que por acaso, o moço encontra a entrada para uma sala para práticas de BDSM e... o que poderia ser apenas um encontro acidental, com a dominatrix Mona (Krista Kosonen) e seus apetrechos, se torna a porta de entrada para um mundo que se torna uma espécie de obsessão para ele. O interessante é que ao invés de contar mais uma história de alguém que se torna adepto do sadomasoquismo, o roteiro do diretor J.P. Valkeapää ao lado de Juhana Lumme prefere mergulhar no inconsciente de Juha enquanto desfruta daqueles encontros. A começar por aqueles episódios em que parece voltar no tempo e se reencontra com a esposa, além da ideia de que a dor física é capaz de fazer com que sua mente esqueça a dor emocional do luto eterno que se abateu sobre ele. Ao lidar com estes dois aspectos, o filme adiciona a sensação de "alívio" em meio a dor que o personagem sente nas cenas mais desconcertantes do filme. O curioso é como o filme cria para si uma lógica que subverte o que seria esperado de uma história neste universo, a começar pelo início em uma ambientação paradisíaca para inserir a dor de uma tragédia pessoal e a sensação de satisfação na ambientação sombria dos encontros com Mona. Falando nisso, se Pekka Strang (de outro sucesso finlandês sobre sexualidade, Tom of Finland/2017, o selecionado da Finlândia ao Oscar daquele ano - e que jamais seria indicado) está bastante convincente na pele de um personagem complicado, Krista Kosonen está ótima ao encarnar Mona, já que a atriz sabe dosar nas reações de sua personagem quando sua lógica perde o equilíbrio ao conhecer Juha em sua necessidade de ir mais longe do que os "cachorros" costumam desejar. A relação entre os dois personagens é o ponto alto do filme que entra na lista de casais mais inusitados da história do cinema. No entanto, o ponto negativo do filme é o desenvolvimento da filha de Juha, que recebe pouco destaque na história e lhe resta apenas estranhar a mudança nos hábitos o pai sem maior aprofundamento desta relação marcada pela perda em comum. Cachorros não Usam Calças é o segundo longa metragem de J.P, que demonstra ser um nome para se ficar de olho no cinema nórdico.
Cachorros Não Usam Calças (Koirat eivät käytä housuja/Finlândia - 2019) de J.P Valkeapää com Pekka Strang, Krista Kosonen, Ilona Huhta e Jani Volanen. ☻☻☻☻
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