O cinema grego pode ser considerado um dos mais interessantes do cinema atual, mas também carrega consigo a pecha de um dos mais estranhos do mundo. O motivo disso é a chamada "nova onda" construída por cineastas do país, basta ver como Yorgos Lanthimos estava prestes a se tornar mundialmente conhecido com a indicação ao Oscar por Dente Canino (2009), ou os prêmios que Miss Violência (2013) recebeu ainda que causasse protestos pela frieza com que contava uma rotina de abusos e até a poesia encontrada no recente Fruto da Memória (2020) que merecia uma vaguinha no Oscar de filme estrangeiro deste ano. É daquela terra de deuses e filósofos que também veio Piedade, outro longa com críticas sociais partindo de uma premissa que beira o absurdo e, talvez por isso mesmo, se torna tão contundente. O filme conta a história de um advogado (Giannis Drakopoulos) que vê a esposa (Evis Saoulidou) em coma já a algum tempo. Sua rotina de trabalhar, cuidar do filho e do cachorro começa geralmente com um choro pela manhã. Nesta rotina, o protagonista repete várias vezes a triste situação que se abateu sobre a família, recebendo mensagens de incentivo de quem cruza seu caminho, olhares de solidariedade e até bolos matinais de uma vizinha compadecida. No entanto, toda esta tristeza constrói um verdadeiro vício no personagem, que passa a utiliza-la como algo constituinte de sua própria identidade (tanto que ele proíbe ao filho tocar músicas alegres ao piano, afinal, vai que os vizinhos acham que eles podem estar felizes). Esta exacerbação da lógica do "coitadinho" recebe contornos ainda mais irônicos depois que sua esposa começa a se recuperar e o que era para trazer alegria, coloca sua rotina em risco, logo ele percebe que toda aquela tristeza precisa ser mantida para que ele continue recebendo o apoio a que se acostumou nos últimos tempos. Deste ponto em diante, o protagonista passa a construir suas próprias tragédias para que a piedade permaneça em seu universo, ainda que para isso ele siga um caminho cada vez mais doentio e que resvala num desfecho chocante que destoa do que vimos ao longo do filme. Misto de drama, comédia e suspense, o filme é pontuado por frases bem marcadas sobre a interpretação que este personagem possui sobre a piedade e leva a marca das interpretações minimalista lavadas de emoção (marca característica do cinema grego recente), que permite as situações falarem por si, curiosamente flertando com a tragédia e a comédia mais obscura. Enquanto a plateia rir nervosa, o cinema grego funciona que é uma beleza!
Piedade (Oiktos / Grécia - 2018) de Babis Makridis com Giannis Drakopoulos,, Makis Papadimitriou, Tzortzina Hryskioti, Evdoxia Androulidaki, Costas Xikominos e Costas Kotoulas. ☻☻☻☻
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