Pearu e Andrés: como desconstruir um galã.
Na Estônia do final do século XIX, Andrés (Priit Loog) investe seu suado dinheiro nas terras localizadas nos cafundós do seu país. No meio do nada, ele sonha construir seu patrimônio e deixar para seus herdeiros. Ele e a esposa Krõõt (Maiken Pius) farão de tudo para cuidar da terra úmida e de pedaços pantanosos para e torná-la produtiva. Não bastasse o trabalho árduo do casal, eles possuem um vizinho grosseiro, Pearu (Priit Võigemast), que terá vários anos de embate com Andrés. A briga entre os dois irá parar nos tribunais várias vezes, muitas delas por conta de mentiras e provocações de Pearu. Diante desta realidade, logo Andrés começará a ver o mundo de uma forma diferente, como se as palavras do título entrassem em confronto e constituísse uma dicotomia em sua cabeça. Pelas duas horas e quarenta e cinco minutos, não acompanhamos somente as desventuras destes dois homens, mas também de suas famílias e também de alguns agregados. Trata-se de uma saga familiar que se estende por mais de uma década (e que por aqui renderia uma novela de Benedito Ruy Barbosa dos bons tempos), com Andrés e Krõõt tendo várias filhas enquanto perseguem um herdeiro do sexo masculino e apresentando o endurecimento do seu protagonista na busca de seus objetivos. Se a esposa parece ser o ponto de equilíbrio de Andrés, logo, ele perderá o rumo e ficará cada vez mais parecido com o vilão da história dado ao seu distanciamento dos filhos e os acontecimentos que acabam envolvendo a personagem Maria (Ester Kuntu) na segunda parte da história. Narrado de forma contemplativa, não faltam acontecimentos dramáticos no filme, mas que são contados de forma bastante sensível pelo cineasta Tanel Toom, sobretudo nas transições vividas pelos personagens e nos momentos trágicos que se esquivam do sentimentalismo com competência. Outros destaques da produção é a forma como valoriza a fotografia na mudança das estações e os planos abertos revelando a beleza daquele lugar inóspito, assim como o trabalho alinhado dos atores. A leveza de Maiken Pius cria alguns dos melhores momentos do filme (a cena em que ela chama os porcos para seu lado da cerca é de uma simplicidade comovente) enquanto coube ao grandão Priit Loog a tarefa árdua de mostrar a mudança brusca de Andrés ao longo dos anos. Existe ainda no filme um aspecto que o título não revela, em vários momentos a religião aparece tendo um peso importante sobre os personagens. A ideia do pecado e do castigo se fazem presente em vários momentos, por vezes de forma assustadora, mas o texto não aproveita este recurso por mais de um terço de sua longa duração. Escolhido pela Estônia para concorrer a uma vaga no Oscar de filmes estrangeiro de 2020, o filme acabou ficando de fora dos indicados. É curioso perceber que o filme tem aquele jeitão clássico que a velha guarda da Academia adora. Na história do Oscar, apenas uma vez a Estônia marcou presença no Oscar, foi em 2015 com o excelente Tangerinas de Zaza Urushadze.
Verdade e Justiça (Tõde ja õigus / Estônia - 2019) de Tanel Toom com Priit Loog, Maiken Pius, Priit Võigemast, Ester Kuntu, Simeoni Sundja e Indrek Sammul. ☻☻☻☻
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