sábado, 23 de julho de 2022

#FDS Na Tela: O Telefone Preto

Hawke: a arte de interpretar com rosto coberto. 

No ano de 1978 uma série de sequestros aterroriza a cidade de Denver nos Estados Unidos. Adolescentes desaparecem com frequência e a polícia se percebe sem pistas sobre o paradeiros dos meninos ou a identidade dos responsáveis pelos crimes. Quando O Telefone Preto começa, não sabemos muito mais do que isso, e ao longo da história pouca coisa é acrescentada às razões que motiva o sádico assassino interpretado por Ethan Hawke - e tudo se torna ainda mais assustador. Os meninos desaparecidos são apresentados rapidamente através de cenas de seu cotidiano comum de jogos de baseball ou de brigas na escola. O sujeito que os sequestrada é apresentado rapidamente antes dos crimes e só. Curiosamente é uma menina que desperta a atenção dos policiais por saber mais do que é noticiado. Ela é a pequena Gwen Shaw (a ótima Madeleine McGraw), que tem sonhos assustadores sobre os sequestros que assolam a cidade. Ela e o irmão, Finney (Mason Thames) tem suas próprias doses de tragédias pessoais para administrar. A mãe é falecida e o pai está claramente instável para cuidar das duas crianças (e é impressionante como Jeremy Davies passou de bom moço para viver adultos transtornados em sua carreira). Como se não bastasse os traumas que a família precisa exorcizar, Finney se torna o próximo alvo do sequestrador e vai parar num quarto isolado do resto do mundo, sujeito às vontades do sequestrador mascarado. Fazendo companhia ao rapazinho está um telefone preto desativado que, de vez em quando, toca sem maiores justificativas para que vozes diferentes orientem Finney a como sobreviver àquela situação. Baseado num conto de Joe Hill, autor das obras que deu origem aos filmes Amaldiçoado/2013 e a série Locke & Key da Netflix e filho do cultuado Stephen King, tem aqui sua chance de começar a chamar a atenção no cinema com uma história em que elementos comuns do filme de terror se confrontam. Estão presentes as crianças assombradas, um serial killer e almas penadas em uma história conduzida pelo diretor Scott Derrickson com mais foco no suspense e nos dramas de seus personagens do que na sanguinolência. Vale lembrar que Derrickson ficou famoso por seu excepcional trabalho em O Exorcismo de Emily Rose (2005), filme em que conseguir misturar terror e drama em uma sintonia perfeita (o que o coloca entre uma das obras do gênero mais relevantes do século XXI). Scott ganhou o mundo com a primeira aventura do Doutor Estranho (2016) nas telonas e, por divergências criativas com a Marvel, seu filme seguinte é este. Não contente com o teor de horror da trama, o cineasta tem a chance de construir um diferencial com base na relação dos dois irmãos e nas imagens envelhecidas que conseguem conferir grande autenticidade à narrativa, que por vezes parece até documental. Embora tenha claras referências aos filmes baseados nas obras de Stephen King, Derrickson confere a O Telefone Preto uma atmosfera própria, até imprevisível pela forma como utiliza os elementos que tem em mãos. Com as crianças recheando o filme de carga dramática, cabe a Ethan Hawke construir o contraponto sinistro do filme. Quando mais jovem, Hawke criou para si o desafio de se tornar um ator respeitável quando a imprensa teimava em confrontá-lo com o contemporâneo River Phoenix. Phoenix nos deixou cedo, mas Ethan continuou se esforçando para ser reconhecido como ator. No entanto, embora tenha quatro indicações ao Oscar (duas como ator coadjuvante e duas como roteirista), o ator segue em sua jornada de criar personagens icônicos nos últimos anos. Colocando em perspectiva sua carreira, ele parece se espelhar em Willem Daffoe na diversidade de papéis que escolhe. Aqui, ostentando uma máscara praticamente o tempo inteiro (uma magistral criação do mestre Tom Savini), resta à Hawke mostrar que o trabalho de um ator se constrói muito de gestos, olhares e trabalho vocal. Neste duelo entre o bem e o mal, embora um lado saia vencedor no desfecho da trama, em termos de talento, existe praticamente um empate de seus intérpretes. Não por acaso, já se fala de novos filmes explorando a história do misterioso personagem vivido por Hawke (só espero que encontrem crianças tão talentosas quanto as que aparecem neste filme).

Madeleine e Mason: artistas promissores. 

O Telefone Preto (The Black Phone - EUA/2022) de Scott Derrickson com Mason Thames, Ethan Hawke, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, James Ransone, Tristan Pravong e Jacob Moran.  

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