domingo, 24 de julho de 2022

#FDS Na Tela: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Hsu, Yeoh e Quan: família em apuros nos maiores delírios do multiverso. 

Existe um consenso de que Hollywood já viveu dias mais criativos em sua história. Basta ver o número de indicados ao Oscar de melhor filme de 2022 (entre dez produções, quatro são novas versões de obras já assistidas anteriormente - e, ironicamente o ganhador da honraria foi o remake de um filme francês). Some isso à tristeza do período de vacas magras cinematográficas na pandemia e a avalanche de blockbusters que parecem inúmeras versões de si mesmos, que você nota como assistir Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tem um gosto especial, não apenas pela sua originalidade e complexidade, mas também pela forma como os diretores perdem as estribeiras sem a menor cerimonia. Os chamados Daniels (Dan Kwan e Daniel Scheinert) já assinaram juntos o estranho Um Cadáver para Sobreviver (2017) - e deixaram claro que a visão criativa de ambos extrapola qualquer caixinha que se possa imaginar. Aqui eles resolveram extrapolar mais ainda, ao contar a história de pessoas comuns envolvidas numa conspiração multiversal. Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é a dona de uma lavanderia que já viveu dias melhores. Casada com o simpático Waymond (Ke Huy Quan) e mãe de Joy (Stephanie Hsu), ela tem dificuldades para lidar com todas as reponsabilidades da casa enquanto o esposo parece alheio às dificuldades que os cerca e a filha tenta impor sua homossexualidade no cenário conservador de sua família de origem chinesa. Para deixar tudo mais tenso, Evelyn começa a ter problemas com a Receita Federal dos Estados Unidos e suas burocracias (personificada por uma imprevisível Jamie Lee Curtis). O que começa como uma comédia dramática sobre imigrantes, logo muda radicalmente de tom quando uma versão de Waymond alerta Evelyn sobre os perigos que a aguarda nas diversas versões que o multiverso abriga. Ela demora um pouco a acreditar que sua vida é diferente em outros universos, já que cada escolha realiza uma bifurcação e seu destinos se transforma infinitamente.  A partir daí, Evelyn atravessará as várias versões de si mesma numa caótica aventura que tem como maior desafio não deixar o espectador perdido diante de todas as possibilidades que anuncia. É mais ou menos o que o belga Jaco Van Dormael fez no pouco visto Sr. Ninguém (2009), só que de forma bem menos dramática ou controlada. É visível como os Daniels se divertem ao lado de seu elenco perante as sandices que apresentam, assim, sobrepõem realidades em que Evelyn pode ser uma estrela do cinema ou uma exímia lutadora de Kung-Fu ou uma mulher com dedos de salsicha ou, até mesmo, uma pedra. Nem vale a pena citar as várias referências que os diretores utilizam para construir estes universos alternativos (são obras de Kubrick, David Lynch, Ang Lee, Wong Kar-Wai e até animações da Disney), o resultado é um visual tão espalhafatoso (e ao mesmo tempo coerente) que só mais tarde nos damos conta de que tudo aquilo é o disfarce para um drama familiar. Neste ponto, vale destacar o trabalho do elenco, especialmente Ke Huy, que era um menino quando se tornou famoso com sucessos do porte de Indiada Jones no Templo da Perdição (1984) e Os Goonies (1985) e depois deixou o cinema em segundo plano. Aqui, ele prova que seu carisma foi ainda mais enriquecido com a passagem do tempo. Jamie Lee Curtis também merece destaque por sua melhor performance em muito tempo, provando que fica ainda melhor quando vivencia personagens capazes de surpreender o espectador. No entanto, a alma do filme é Michelle Yeoh, que faz tempo merece todo nosso respeito e ainda carece de maior reconhecimento em Hollywood. Se ao longo de quase quarenta anos de carreira cinematográfica a ex-miss Malásia já interpretou todo tipo de personagem, aqui ela dá conta de uma gama de personalidades de forma que sua versatilidade torna-se ainda mais notável. Prestes a completar 60 anos, Michelle desponta como um nome forte para a temporada de premiações, só espero que lembrem da experiência que o filme proporciona até lá. Esteticamente impressionante e atmosfericamente bem humorado, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo já é um dos melhores filmes do ano. 

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere all at Once/ EUA - 2022) de Dan Kwan e Daniel Scheinert com Michelle Yeoh, Jamie Lee Curtis, Ken Huy Quan, Stephanie Hsu, James Hong, Jenny Slate, Harry Shum Jr. e Randy Newman. ☻☻☻☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário