domingo, 17 de março de 2013

CATÁLOGO: Corpo

O elenco e o corpo: fantasmas da ditadura. 

Num cinema amarrado ao financiamento de empresas privadas interessadas nos incentivos fiscais é difícil ver um filme como Corpo. Lembro quando o filme estreou nos cinemas e a distribuição foi precária - e encontrar um DVD do filme em locadoras beira o impossível. Sorte que numa madrugada dessas do Canal Brasil eu o encontrei e fiquei intrigado não só com a trama cheia de mistérios, mas, principalmente pela forma como a dupla de diretores consegue acertar no difícil e acertar no fácil. O filme tem o ponto de partida original de ter como protagonista um legista do IML. Artur (Leonardo Medeiros) já está tão acostumado a ver aqueles corpos vítimas de todo tipo de situação que consegue  reagir a todos eles com indiferença. Sua rotina já está tão entranhada que até quando vai para casa especula como seria a autópsia das pessoas que encontra pela rua. A sensação no espectador é estranha, mas somente um ator do porte de Medeiros para não fazer o personagem parecer um  maníaco, mas um sujeito que tem mais do que ciência de que a morte pode chegar para qualquer um a qualquer momento. Diferente da forma como Artur naturalizou seu ofício está sua superior, Lara (Chris Couto) que ainda vê graça em ver corpos sendo dissecados em cenas comparáveis a que vemos em CSI. Engraçado é como essa forma de encarar o trabalho vivida pelos dois personagens irá se inverter quando junto com um avalanche de ossadas encontrada numa vala estiver o corpo de uma mulher intacta, que parece ter sido conservada nos últimos trinta anos por algum método desconhecido. Enquanto Lara fica mais preocupada com "produtividade" em ler as ossadas, Artur está mais interessado em descobrir quem era aquela mulher. Como as ossadas são associadas a pessoas desaparecidas durante a ditadura, a referência para a investigação dele segue por esse caminho. Enquanto o protagonista tenta descobrir a história do corpo, o filme consegue trabalhar bem seus mistérios e estranhamentos, no entanto, quando começa a apresentar uma explicação... a coisa começa a desandar... especialmente quando entra em cena a maluquete Fernanda (Rejane Arruda) que poderia ser intrigante e rechear o filme com seus segredos, mas consegue ser apenas irritante. Da forma como é apresentada a personagem parece que está ali só para confundir o espectador em aparições que conseguem dispersar toda a tensão que era construída com tanto esmero. Mais eficiente do que Fernanda são os flashbacks que demonstram ser um eficiente quebra-cabeças (apesar do texto nesses momentos ser repleto de clichês), penso que um elemento deveria complementar o outro, mas é neste ponto, que o roteiro deveria ser bastante revelador, que o filme começa a perder fôlego. Com boas ideias e bem realizado (ótima edição, fotografia estilosa e ousadia, digamos, "estomacal") o filme consegue prender a atenção, só poderia se enrolar menos em seus próprios truques. O final deixa as explicações subentendidas  e evidencia onde os diretores pecaram durante a sessão: às vezes, explicar demais é bem menos interessante do que estimular a mente do espectador em buscar respostas. Corpo propõe uma interessante reflexão sobre a identidade e as feridas da ditadura, um tema ainda pouco explorado em nossa cinematografia. 

Corpo (Brasil/2007) de Rossana Foglia e Rubens Rewald com Leonardo Medeiros, Chris Couto, Rejane Arruda, Louise Cardoso e Rejane Alves. ☻☻☻

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