Esther e Chanda: a vida acima de tudo.
Os números relacionados à AIDS no continente africano impressionam. Pesquisas da Organização Mundial de Saúde revelam que os africanos lidam com uma verdadeira epidemia. Em países como África do Sul e Zambia cerca de 20% da população jovem e adulta encontra-se contaminada. Em Botsuana o número chega a assustadores 39% de soropositivos entre a população de 15 a 45 anos. Ainda mais assustador é perceber que apenas 1% dos contaminados procuraram tratamento. Diante desses números é interessante ver um filme como o sul-africano Life, Above All que consegue fazer um retrato interessante sobre os temas relacionados à doença no continente, sendo que com o olhar de uma adolescente que descobre que a AIDS chegou em sua família. O filme já começa com a adolescente Chanda tendo que comprar um caixãozinho para a irmã bebê que acaba de falecer. A causa é aparentemente um mistério. Sua mãe não fala sobre o assunto, o padrasto prefere afogar as mágoas num boteco e quando aparece é para culpar a esposa de ter envenenado a criança com leite (e o fato dele ter várias parceiras sexuais não tem nenhuma relação com isso). A vizinha, amiga da família, prefere tentar evitar escândalos no pequeno vilarejo rural em que vivem e certificar-se que ninguém pensará que a causa da morte do bebê era algo diferente de uma forte gripe. Chanda (Khomotso Manyaka) tem 12 anos, sendo esperta o suficiente para perceber que existem mais coisas nas entrelinhas do que as pessoas querem comentar com ela. Na busca da menina para saber o que acontece com a família ela se depara com aspectos bastante relacionados à camuflagem da epidemia em seu país. Os sintomas da AIDS são vistos como uma maldição, uma penalidade envolta em crendices regionais, sendo assim, ao mesmo tempo em que a epidemia é camuflada, algumas pessoas se aproveitam da situação das formas mais variadas (seja para realização de um ritual religioso ou de consultas médicas picaretas que não são capazes de resolver o problema como se deveria). Além de mostrar os conflitos de Chanda com seus familiares - da mãe que percebe a doença como uma maldição, o padrasto que culpabiliza a esposa pelas mazelas da família, os irmãos mais novos que não entendem o que está acontecendo, os parentes que pretendem abafar a situação - ainda existem dois outros personagens que complementam o universo construído pelo filme. Além da vizinha (Harriet Lenabe) que ganha cada vez mais força na narrativa pelo medo do preconceito que a doença gera, existe a jovem amiga de Chanda, Esther (Keaobaka Makanyane), que desde que perdeu sua família se prostitui para sobreviver (e mantém a trama ainda mais tensa por deixar a AIDS como uma ameaça sempre a espreita dos mais jovens). O diretor Oliver Schmitz tem vários filmes produzidos para a televisão e aqui demonstra total domínio de sua história. Existem momentos emocionantes na jornada de Chanda contra os preconceitos que só fazem a epidemia se propagar ainda mais. Defendido por um elenco competente (especialmente as jovens Manyaka e Makanyane) o resultado é um filme bonito de se assistir e impossível de não comover com as atuações, além do respeito que a protagonista atribui à vida de quem está a sua volta.
Life, Above All (África do Sul/2010) de Oliver Schmitz com Khomotso Manyaka, Keaobaka Makanyane, Harriet Lenabe e Lerato Mvelase. ☻☻☻☻
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