Mia: misturando depressão, rancores e segredos.
Gosto muito das comédias de Woody Allen, mesmo as mais toscas sempre conseguem de fazer rir e me sentir leve quando termina. Já os dramas dirigidos por ele conseguem o efeito oposto. Quem conhece o diretor sabe que sua maior inspiração quando muda de gênero é o cinema de Ingmar Bergman com suas mulheres problemáticas, cheias de conflitos e traumas. Nem público e nem crítica costumam ver seus dramas com muito entusiasmo, mas não chegam a ser decepcionantes. Setembro é o sexto filme que Allen fez com Mia Farrow e foi lançado no mesmo ano que o simpático A Era do Rádio (1987), mas o tom é outro. Setembro é irremediavelmente pesado e me parece inspirado no notório caso de assassinato envolvendo a diva Lana Turner e o mafioso Tony Stompanato. Setembro é arrastado com todas as cenas realizadas dentro de uma casa onde nunca é mostrado o seu exterior (o que sempre me parece um recurso que teatraliza demais a história). Aqueles personagens apenas escutam o barulho de insetos e sentem o sol entrar pela casa, mas quando estão juntos parecem presos numa espécie de purgatório. Lane (Mia Farrow) passa uma temporada naquela casa como uma espécie de retiro ao lado da amiga Stephanie (Diane Wiest), no entanto percebemos o seu desconforto quando precisa lidar com a presença da mãe, Diane (Elaine Stritch, que tem as melhores falas do filme). Diane e Lane possuem uma mancha terrível no passado. Diane era uma atriz famosa e de muitos casos amorosos, se agora ela parece sossegada com o novo esposo, a filha ainda tem que lidar com o peso de ter assassinado um dos namorados abusivos da mãe quando era criança. As coisas só pioram quando chega o pretendente de Lane, o escritor Peter (Sam Waterston) que planeja escrever uma biografia sobre Diane e mexer nas feridas torna-se inevitável. É preciso destacar como aquele ambiente acolhedor, aos poucos se torna cada vez mais claustrofóbico e as emoções parecem pequenas para ficar entre quatro paredes - e a câmera, que parece invisível, está sempre a espreita de momentos reveladores. Some isso a tensão sexual crescente entre Stephanie e Peter e você verá que diante do drama que Lane teve que lidar a vida toda, falta apenas algo tão desastroso como ser rejeitada por Peter para que ela exploda. É interessante ver Allen trabalhando com duas de suas divas favoritas (Mia e Wiest) em papéis de amigas rivais, mas diante dos personagens que defendem, não é difícil perceber porque a casada Stephanie é mais interessante. Lane é mais do que frágil, é passiva demais e nunca sabemos até que ponto ela utiliza seus dramas para ser sempre vitimizada, não sei até que ponto vai sua tristeza e começa os seus rancores com relação ao mundo ao seu redor. Somente quando confronta a mãe (que é seu total oposto, forte, corajosa e ao mesmo tempo egocêntrica) que Lane parece que é capaz de mudar a vida que tanto a deprime, mas em poucos segundos ela perde a força novamente. O detalhe que faz de Setembro um filme mais singelo do que a maioria dos dramalhões é seu anúncio esperançoso de que a vida continua e tende a melhorar, embora Mia Farrow (convincente como a protagonista) não nos faça acreditar que depois de toda a catarse vivida no mês de agosto, o mês seguinte seja melhor.
Setembro (September/EUA-1987) de Woody Allen com Mia Farrow, Diane Wiest, Elaine Stritch e Sam Waterston. ☻☻
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