Daniel Day Lincoln: a diferença ente um filme e uma aula de História.
Já estamos na temporada em que filmes da época de ouro começa a chegar em DVD/Blu-Ray, sendo assim, quem não conseguiu assistir aos nove filmes indicados ao Oscar deste ano, tem agora a chance de ver no conforto do lar - ainda que com as modestas proporções de uma exibição domiciliar. E quem já viu pode revê-los quantas vezes quiser. Lincoln de Steven Spielberg confirma o gosto da Academia em indicar o diretor quando ele se mete a filmar temas épicos. O filme foi o mais indicado ao Oscar deste ano e recebeu duas estatuetas: direção de arte e ator para Daniel Day Lewis. Lewis já era considerado imbatível desde que sua primeira foto caracterizado como o 16º presidente dos EUA. Antes do lançamento eu não queria parecer um estraga-prazer, mas desde que começou toda expectativa sobre o filme lembrei muito do que aconteceu com o magnífico Sangue Negro (2007) de Paul Thomas Anderson, que muitos consideraram (injustamente) que valia somente pela atuação de Lewis. Imaginei que poderia acontecer o mesmo com o esmerado filme de Spielberg - e de fato aconteceu, só que a diferença é que sem Lewis interpretando o fantasma de Lincoln não sei se o filme iria funcionar (ao contrário do filme de Anderson). O filme é irretocável em sua reconstituição de época (tanto que mereceu todos os prêmios que recebeu), os atores são excelentes (se Histórias Cruzadas/2012 era uma coleção de talentos femininos, esse aqui faz o mesmo pelo time masculino - ainda que em papéis de menor escala), mas sem Day Lewis causando arrepios com sua atuação mediúnica a coisa não iria passar de uma sonolenta aula de história. Quero deixar claro que não estou dizendo que o filme é ruim, mas a abordagem dos últimos anos do governo de Abraham Lincoln me parece didática demais no texto de Tony Kushner. São tantos personagens que aparecem em tão pouco tempo (e isso justifica a escolha de atores de presença marcante na tela) que por vezes mal conseguimos identificar quem é quem no jogo de interesses em torno de manter ou não a escravidão na terra do Tio Sam. Em 1865, a Guerra Civil já havia sacrificado vários cidadãos. Os EUA vivia uma crise que dividia seus estados entre norte e sul, baseado nas ideologias construídas desde a sua colonização. A escravidão, o nacionalismo exacerbado do sul, o crescimento da produção industrial e as tarifas interestaduais eram alguns dos motivos que pautavam os conflitos. Lincoln tinha que lidar com todos esses interesses em uma nação dividida e, via na associação entre o fim da escravidão e a paz a sua chance de acabar com a Guerra Civil. Não é fácil desenvolver um filme me torno de uma emenda constitucional e sua trajetória até ser aprovada, sendo assim existem momentos cômicos (como os lobistas da época querendo convencer políticos para a causa) e outros dramáticos que nem sempre funcionam - especialmente o xilique de Sally Fields como e Joseph Gordon Lewitt como o filho que quer ir para a guerra de qualquer jeito. É estranho, mas o filme parece escrito para ninguém fazer sombra à figura do presidente. Sua grandeza histórica merece, mas Tommy Lee Jones (indicado ao prêmio de coadjuvante), David Straitharn, Jackie Earle Halley, Hal Holbrook e John Hawkes (todos com uma indicação ao Oscar no currículo) devem se contentar com participações sutis no decorrer da história, assim como os não menos talentosos Jared Harris, Joseph Cross (desperdiçado como sempre) e a lista segue. Quem vê o filme deve até notar a curiosidade de ver como o partido republicano e democrata modificaram suas ideologias no passar dos anos... ou será que nem tanto? O que mais me incomodou no filme é que apesar de todo o discurso antipreconceito, o filme nem esbarra num dos maiores motivos de acabar com a escravidão no solo americano: os escravos emperravam o discurso do trabalho pago fruto do capitalismo. Parece pouco, mas não é. Talvez com medo dessa causa parecer menos nobre, ela quase aparece diante das manobras quase equilibristas dos políticos da época. O que importa é que no meio de discursos racistas e outros contrários a ele, Daniel Day Lewis praticamente esmaga o filme com sua presença cênica. Prova disso é que basta seu perfil sombreado contra a luz para nos fazer acreditar que ele não interpreta Lincoln, ele é Lincoln. Sua atuação é o que faz o longa ser um filme e não uma tediosa aula de história americana.
Lincoln (EUA/2012) de Steven Spielberg com Daniel Day Lewis, Sally Fields, David Straitharn Tommy Lee Jones, Jared Harris e Hal Holbrook. ☻☻☻
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