Ingrid: sozinha em seus pensamentos.
Entendo que um filme cumpre seus objetivos quando ele consegue transportar as sensações do personagem para o espectador, no entanto, existem alguns casos bem específicos onde essas sensações extrapolam em uma experiência cinematográfica. Mais do que contaminar a quem assiste com tristeza, medo ou alegrias, existem obras que conseguem criar uma experiência mais específica. Posso dizer que se enquadram nessa categoria filmes como Amnésia (onde a famosa narrativa de trás para frente proporciona ao público ver cada cena com o mesmo estranhamento do protagonista), Réquiem Para um Sonho (onde o mal estar caótico dos personagens causa vertigem até no espectador mais experiente), o silenciosamente furioso A Gangue (com diálogos em linguagem de sinais sem legendas) e o recente Blind. O filme norueguês de Eskil Vogt estreou no Brasil em março desse ano, chamou a atenção da crítica e causou ódio em alguns expectadores diante do que viram na tela. Ame ou odeie, vale conferir e tirar suas próprias conclusões. Desde o início, Vogt deixa claro que o filme é baseado na narrativa de Ingrid (Ellen Dorrit Petersen) que sofre de uma doença degenerativa no globo ocular. A medida que se apresenta para a plateia, a personagem tem o desafio de guiar nosso olhar diante das impressões que tem da realidade, mas... que realidade é essa? Ingrid explica a dificuldade que é construir imagens mentais do mundo que aos poucos deixa de enxergar, assim como, a dificuldade em separar suas desconfianças das impressões reais que passa a ter do mundo através de outros sentidos que não seja a visão (e a imagem do cão na vitrine é um belíssimo exemplo disso). Diante de sua nova condição, Ingrid torna-se cada vez mais reclusa, passando o tempo diante da janela do apartamento para o qual se mudou a pouco tempo com o marido arquiteto Morten (Henrik Rafaelsen). Enquanto o esposo trabalha, Ingrid introduz dois outros personagens da trama, Einar (Marius Kolbenstvedt ) e Elin (Vera Vitali), que desde o início estão impregnados de como Ingrid os percebe. Com esses quatro personagens, Blind passa a brincar com as nossas percepções, de forma que passamos a enxergar não apenas pela narrativa oral de sua protagonista, mas também, a partir de uma narrativa imagética de como ela passa a ver o mundo (portanto, se às vezes ela mesma diz que não se lembra da sua aparência, não se espante se também ficar confuso com alguns truques da narrativa). Das desconfianças variadas da infidelidade do marido, passando por seus desejos diante do mundo que não consegue enxergar, o diretor tece a realidade conforme sua protagonista mescla real e fantasioso. Em uma hora e meia de duração, o filme consegue ser bastante provocador em sua proposta de convidar o espectador a ter a mesma visão de sua protagonista, no entanto, alguns podem considerar que parte do seu fôlego se perde quando nos damos conta de seu elaborado truque.
Blind (Noruega-Holanda/2014) de Eskil Vogt com Ellen Dorrit Petersen, Henrik Rafaelsen, Marius Kolbenstvedt e Vera Vitali. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário