Antonio de la Torre: a difícil arte da chacota.
Celebrado por sua estreia em longa metragem com o drama Azul Escuro Quase Negro (2006), o diretor Daniel Sánchez Arévalo teve que ouvir algumas críticas em seu trabalho seguinte, a comédia Gordos. O motivo de estranhamento é que a comédia é tão sutil quanto o título que carrega sem firulas. Retratando um grupo de obesos que participam de uma terapia de grupo, o diretor investe mais uma vez em mesclar os destinos de vários personagens, mas dessa vez, incomoda a plateia com algumas indelicadezas que remetem diretamente ao olhar da sociedade sobre quem está acima do peso. Por sua audácia, o filme concorreu a oito prêmios Goya (edição, roteiro original e o resto para o seu elenco - premiando Raul Arévalo como ator coadjuvante). Por vezes o filme consegue ser bastante divertido, em outras causa estranhamento em quem está acostumado com o tom politicamente correto das comédias que costumam aparecer no cinema. O filme gira em torno do grupo mediado pelo terapeuta Abel (Roberto Enríquez), que utiliza alguns métodos incomuns para fazer seus participantes lidarem com a obesidade. Logo de início pede para que todos tirem a roupa e se vejam completamente nus, uns na frente dos outros. Quem não sente-se a vontade de se despir diante do grupo, pode ir embora e, de fato, o fazem, permanecendo somente alguns que parecem dispostos a entrar na proposta (do filme, inclusive). Assim conhecemos Enrique (Antonio de la Torre que comentei recentemente aqui no blog por sua atuação em Canibal/2013), garoto propaganda de uma marca de remédios para emagrecer, mas que não conseguiu honrar o contrato com o sócio de permanecer três anos magro e caiu em decadência. Enrique está obeso e enfrenta dificuldades para lidar com todo o escárnio que a vida de celebridade lhe proporciona diante de seu novo físico. Sofía (Leticia Herrero) também enfrenta dificuldades para lidar com os quilos a mais que ganhou nos últimos anos e seu relacionamento assexuado com Alex (Raul Arévalo), o noivo religioso, também não ajuda muito a sua auto-estima. Já Andres (Fernando Albizu) é uma espécie de agente da CSI espanhola que lida bem com sua gordura, ao contrário da filha adolescente que precisa aguentar os deboches do irmão gêmeo magro e dos colegas na escola. Completa o grupo Leonor (María Morales), que trabalha com protocolos de segurança da internet e que preenche a distância do namorado (que foi morar nos EUA) com mais comida do que deveria. O filme acompanha os tropeços dos personagens em sua jornada de auto-conhecimento, sempre de forma debochada - o que pode chocar os, digamos... mais puros de coração. Curiosa é a relação que o roteiro do próprio Arévalo tece entre o físico dos personagens e a sexualidade. Essa relação do corpo com a comida, a libido, a auto-estima e o pecado poucas vezes foi explorada de forma tão escancarada quanto vemos aqui - talvez por isso eu tenha ficado bastante surpreso com o rumo que os personagens tomam durante o filme. Entre quilos idos e quilos ganhos, o filme investe num olhar ácido sobre seus personagens, de onde não escapa nem o magro terapeuta que precisa lidar com as mudanças que a gravidez provoca no corpo de sua esposa. Narrado de acordo com os passos do tratamento promovido por Enrique nos tempos de magreza, o filme faz rir e pensar sobre personagens que geralmente são tratados apenas como simpáticos e sorridentes. Gordos retira o tipo do estereótipo e torna-se uma espécie de ousadia cinematográfica com seu humor latino desembestado (e um bocado de pimenta para temperar a maledicência).
Gordos (Espanha/2009) de Daniel Sánchez Areválo com Antonio de la Torre, Roberto Enríquez, Raul Arévalo, María Morales e Verónica Sánchez. ☻☻☻☻
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