Florence: silenciosamente amoral.
Que delícia que é assistir a um filme do qual não se sabe muita coisa e ser surpreendido por ele! Li algumas resenhas gringas sobre o filme quando foi lançado nos Estados Unidos e não sabia que ele já estava em cartaz por aqui quando o encontrei por acaso. É bom destacar que o filme não conta a história da personagem Shakesperiana que se casou com Macbeth na peça maldita do bardo inglês, esta Lady Macbeth é outra (mas já que esta versão é transposta para a Inglaterra, você pode fantasiar que ela é a própria antes de conhecer o futuro marido), o filme é baseado na obra Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk do russo Nikolai Leskov, que já virou até ópera ao contar a história de uma jovem insatisfeita com o casamento e que se torna uma assassina amoral. No século XIX a jovem Katherine (Florence Pugh) foi vendida para ser esposa de um senhor de terras (Paul Hilton), No início é visível como Katherine ainda tem esperanças de que poderá ser feliz, até que na noite de núpcias o marido a manda tirar a roupa e ao vê-la nua vira para o canto e dorme. Dali em diante a rotina da personagem a coloca na posição mais baixa na hierarquia da casa, sendo alvo do desprezo do esposo, dos desmandos do sogro (Christopher Fairbanks) e até das retaliações da empregada (a ótima Naomi Ackie) - que a cada ajuste de espartilho, pentear de cabelo ou primeiro contato do fia aproveita para torturar um pouco a nova moradora da casa. O resultado disso é o tédio, regado com doses de ódio sufocado e uma vontade constante de dormir - o que só aumenta a alegria quando Katherine se vê sem os homens da casa por alguns dias e poder dormir o quanto quiser. As coisas mudam drasticamente quando ela conhece Sebastian (Cosmo Jarvis), um cavalariço da propriedade, que logo será seu amante e colocará sua reputação a perder - mas são nos momentos em que se encontra mais acuada que Katherine terá suas atitudes mais macabras. Se no início podemos até entender suas atitudes devido a opressão que sofria, logo ela descamba para a covardia mais fria e amoral. O cineasta William Oldroyd marca sua estreia com uma narrativa que avança de forma delicadamente cruel e meticulosamente envolvente. Destoa da maioria dos filmes de época por não ter trilha sonora onipresente, cenários exuberantes, fazendo um retrato cru sem truques ou invencionices. Suas opções valorizam o texto e as atuações, sobretudo a performance da desconhecida Florence Pugh que está magnífica no papel principal. Florence transita por cada emoção da personagem com uma destreza impressionante para uma novata de vinte e um anos (e este é apenas o seu segundo filme), especialmente no final onde cai por terra toda a "pressão do romantismo" que existe sobre a atroz protagonista. A obra de Leskov foi concebida para denunciar a sociedade de sua época, o tratamento das mulheres, a semi-escravidão e a ignorância, sorte que Oldroyd mantem tudo isso ao transpor a história para a Inglaterra - e o resultado da transposição parece uma mistura de O Morro dos Ventos Uivantes com visual de Jane Austen numa versão cinematográfica de Alfred Hitchcock. Lady Macbeth é um filme impressionante.
Lady Macbeth (Inglaterra/2016) de William Oldroyd com Florence Pugh, Cosmo Jarvis, Naomi Ackie, Paul Hilton, Christopher Fairbanks e Goulda Rosheuvel. ☻☻☻☻☻
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