Este é o quarto ano em que escolho a primeira semana de setembro para comentar um filme brasileiro por dia. Neste ano, para anabolizar as comemorações do dia 07 de setembro eu resolvi fazer diferente e fazer a minha lista de dez filmes brasileiros favoritos de todos os tempos. Foi uma lista muito difícil de fazer e alguns muito queridos ficaram de fora (Sonho de Valsa/1987, Durval Discos/2002, Janela da Alma/2001 e Lavoura Arcaica/2001 foram alguns). A seguir, dez pérolas do nosso cinema que se você não viu, não sabe o que está perdendo (em ordem alfabética).
#01 "A Marvada Carne" de André Klotzel (1985)
Eu gosto tanto do filme de estreia de Klotzel que eu o colocaria em todas as listas de filmes favoritos que eu fizer. Ele utiliza tantos elementos folclóricos em uma narrativa divertida e belamente interpretada pelos atores principais, afinal, Fernanda Torres e Adilson Barros estão irresistíveis como o casal que para realizar o casamento terão que passar por algumas provações bastante incomuns - e ainda ter que lidar com a vontade irresistível do noivo comer carne. Não há Santo Antônio que resista!
#02 "Assalto ao Trem Pagador" de Roberto Farias (1962)
Antes de ter um blog eu escrevia sobre os filmes que assistia em um caderno e este longa de Roberto Farias tem uma das resenhas mais elogiosas que já escrevi (e sei que estou devendo escrever sobre ele aqui no blog), especialmente pelo tom moderno com que conta a história de seis homens que resolvem assaltar um trem na Central do Brasil. A partir daí, as investigações revelam um mundo que tinha pouco espaço no nosso cinema e - ainda hoje - carece de uma visão tão autêntica quanto a que vemos aqui. Cheio de estilo e bela fotografia em preto e branco, o filme de Farias é uma das obras-primas inquestionáveis do nosso cinema.
#03 "Central do Brasil" de Walter Salles (1998)
Premiado no Festival de Berlim, o filme ainda recebeu o Globo de Ouro de filme estrangeiro e concorreu ao Oscar da mesma categoria (e perdeu para o sacal A Vida é Bela) - além de colocar Fernanda Montenegro no páreo de melhor atriz por sua atuação memorável! Sempre me emociono quando vejo a história da amarga Dora e do menino Josué. Acho magnífica a forma como Walter mostra que cada busca, encontro e despedida que atravessa o caminho dos personagens revela uma nova camada de suas personalidades. Central do Brasil é basicamente a essência de um road movie em sua melhor estrada: a da busca de si mesmo em todas as suas dores.
#04 "Eles Não Usam Black Tie" de Leon Hirszman (1981)
Premiado no Festival de Veneza o filme de Hirszman anda esquecido, mas merece ser lembrado pela forma como mescla a história de uma família com movimentos sociais, no caso uma greve de operários de uma grande metrópole. Coletivo e individualidades se chocam todo o tempo e revelam como a dinâmica social nunca pode ser simplificada, algo que algumas pessoas ainda precisam lembrar... cortesia do belíssimo roteiro do diretor ao lado do ator Gianfrancesco Guarnieri! De brinde, mais uma atuação memorável de Fernanda Montenegro.
#05 "Não Por Acaso" de Philippe Barcinski (2007)
Desde que lançou o premiado curta Palíndromo (2001), Barcinski demonstrou seu interesse por contar histórias de um jeito diferente. Em Não Por Acaso ele compõe um drama romântico urbano belíssimo, cruzando o caminho dos personagens que vivem na correria de uma grande cidade. Entre perdas, encontros e revelações, Barcisnki introduz até um pouco de metafísica em sua história e lhe atribui uma sensibilidade tão incomum quanto envolvente. Além disso, tem atuações marcantes de Leonardo Medeiros, Letícia Sabatella, Rodrigo Santoro e Cássia Kiss - plenos como peças no tabuleiro do destino.
#06 "O Ano que Meus Pais Saíram de Férias" de Cao Hamburger (2006)
Sempre fico triste quando pergunto se alguém viu este belo filme do Cao sobre o olhar de um menino sobre um dos períodos mais obscuros de nossa história. Por ser centrado em uma criança (o bom Michel Joelsas, que depois foi o Fabinho de Que Horas Ela Volta?) o filme ganha em leveza e originalidade ao contar uma história sobre crescimento e perda da inocência. Misture Copa do Mundo, festinhas ao som de Roberto Carlos (ainda roqueiro) e atores infantis realmente bons e você terá um filme irresistível! Para além do belo roteiro (ambientado no ano de 1970), o filme é bem cuidado tecnicamente, além de ser bastante sensível ao abordar temas complicados na telona.
#07 "Quase Dois Irmãos" de Lucia Murat (2004)
Quando o filme chegou aos cinemas muita gente ainda estava sob o efeito de Cidade de Deus/2002. Ambos tem o envolvimento de Paulo Lins em sua escrita (já que Lins escreveu o livro do primeiro e o roteiro do segundo) e podem soar bastante complementares ao contar como foi o embrião da violência que vemos todos os dias no Rio de Janeiro. Murat realiza aqui o seu trabalho mais maduro e aos poucos revela a história que de fato está contando. Lembro que fiquei arrepiado ao final da sessão e um tanto sem palavras. Quase dois Irmãos é mais do que um belo filme, torna-se uma obra obrigatória para entender o caos que vivemos hoje.
Assim que foi lançado, o filme de Muylaert foi reconhecido como um dos mais queridos do cinema brasileiro, ironicamente, não sabíamos que ele serviria como registro perfeito de uma era que segue rumo ao sepultamento. A história da doméstica e sua filha merece atenção pelas entrelinhas, belamente ressaltadas pela dupla Regina Casé e Camila Márdila. O drama e o humor impressos pela diretora aqui chegam ao auge do seu estilo de fala mansa e assuntos incisivos, por isso mesmo, foi premiado muito elogiado pelo mundo afora, trazendo para o Brasil o prêmio dado às suas atrizes no Festival de Sundance.
Considero este a obra-prima de Babenco! Acho fascinante como ele constrói a história entre os personagens dentro de uma cela, utilizando as fantasias narrativas de Luis Molina (William Hurt que ganhou o Oscar de melhor ator) para escapar dali. Conforme se desenvolve o relacionamento entre os dois personagens, Babenco nos brinda com lindas imagens e uma amizade complexa que ainda pode surpreender muita gente pelo desfecho doloroso. Embora seja falado em inglês, a alma do filme é plenamente brasileira, com destaque para Sonia Braga, muito glamourosa como a musa de Molina (que também funciona como seu alter-ego em atuação antológica). Simplesmente, sublime!
Sinto muita falta do punch dos primeiros filmes de Beto Brant. Quando (o baratinho) Os Matadores estreou no Festival de Cannes muita gente ficou de queixo caído com a forma mirabolante com que Brant contava a história simples sobre dois matadores que estão numa mesma cidade na fronteira brasileira. O motivo? Nós só descobrimos aos poucos até o final arrepiante numa trama cheia de ironias. Sem dúvida, foi uma das melhores estreias da história do nosso cinema. Pena que depois Brant mudou seu estilo cru e áspero para fazer filmes mais convencionais. Alguns consideram que ele amadureceu... eu ainda acho que ele apenas encaretou.
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