Hochmair e Toni: destruindo o paraíso domiciliar.
Stefan (Lukas Turtur) e Andreas (Phillip Hochmair) trabalham juntos em uma orquestra filarmônica, têm muitos amigos e conseguiram fazer da casa onde moram um pequeno pedaço do paraíso onde vivem ao lado do gato de estimação. Moses apareceu sem que eles soubessem de onde veio, como a grande maioria dos gatos, escolheu os seus donos por sentir-se seguro e querido pelos dois. Claro que o felino também gosta do vasto quintal verde, onde de vez em quando encontra algum "presente" para os donos. Vale dizer que o quintal é repleto de árvores frutíferas - e parte da diversão da casa é fazer doces de compota para distribuir aos amigos. Eles ainda são bons anfitriões para os visitantes e se dão bem com a vizinhança... se você se incomoda com filmes centrados em casais homossexuais é melhor ficar bem longe de Tomcat, já que o diretor Händl Klaus aumenta a sensação idílica daquele mundo paralelo com várias cenas de nudez numa intimidade despojada e até ousada (o que ajudou para que em 2016 o filme ganhasse o Teddy Bear, o prêmio do Festival de Berlim para filmes com temática GLSBTQ - essa é a sigla atual?). Por meia hora o diretor nos mostra, sem pressa ou sobressaltos esse universo domiciliar onde Stefan, Andreas e Moses criam a dinâmica de um lar sem maiores preocupações... mas tudo muda quando Stefan demonstra uma atitude violenta, sem justificativa alguma, e altera para sempre aquele mundo. A partir de então, culpa, remorso, raiva, medo e ressentimento passam a existir dentro da casa e os dois personagens se atraem e repelem em busca de um equilíbrio que nunca chega. É neste momento que Tomcat demonstra não se contentar em ser um filme "gay", ele ambiciona mais, principalmente quando constrói cenas onde a plateia, assim como Andreas, não consegue mais confiar em Stefan - e olha que ele se esforça para que voltemos a gostar dele, afinal ele chora, apanha, torna-se isolado, desprezado, humilhado e até ferido. Em seu segundo filme o cineastas Händl Klaus mantem seu interesse pelo efeito da morte em seus personagens (o anterior foi o deprimente Março/2008 onde três jovens amigas se suicidam), mais uma vez ele a utiliza para revelar o que estava escondido nas camadas subterrâneas do cotidiano. A narrativa lenta (que aumenta a tensão da narrativa) e a ausência de respostas óbvias alimentaram as comparações de Klaus com seu conterrâneo Michael Haneke (com quem ele trabalhou como ator em A Professora de Piano/2001), mas o cinema de Klaus consegue conciliar o rigor de seu mentor com um tom diferente, um pouco mais leve, embora complexo e incômodo. Considero justo destacar o trabalho dos atores, que conseguem ser bastante precisos na construção de um relacionamento que se vê na beira de um abismo revelado pelo lado obscuro até então desconhecido de um deles. Obviamente que muita gente irá considerar o longa tedioso em seu clima de suspense psicológico, mas as suas entrelinhas carregam algumas simbologias (especialmente a cobra congelada que desaparece, a queda da árvore, o nome do gato - que na vida real se chama Toni e pertence ao próprio diretor...) que quando percebidas deixam tudo mais interessante, além, claro, do final que deixa o espectador com a pulga atrás da orelha e a sensação de que nada entre aqueles dois personagens será como antes. Nunca mais.
Tomcat (Kater/Áustria-2016) de Händl Klaus com Lukas Turtur, Phillip Hochmair, Cornelius Meister, Manuel Rubey e Maria Grün. ☻☻☻
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