Glória e seus companheiros: o tratamento pela humanização.
Conheci o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira na faculdade, quando minha turma foi visitar uma exposição da celebração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Lembro que no Paço Imperial no Rio de Janeiro estavam expostos vários trabalhos de pessoas que participaram dos tratamentos por Terapia Ocupacional realizados por ela a partir da década de 1940. O mais fascinante da mostra chamada Imagens do Inconsciente (nome que batiza o museu criado por Nise em 1952) era que todas eram assinadas por clientes de sua iniciativa no Centro de Alienadas de Engenho de Dentro, uma instituição psiquiátrica criada para abrigar pessoas em tratamento no Hospício Pedro II (atual Instituto Municipal Nise da Silveira). O cineasta Roberto Berliner resolveu levar para as telas uma biografia de Nise e usou toda a sua experiência no gênero documental para dar vida aos desafios que ela e seus clientes precisaram enfrentar. Berliner opta por uma narrativa clássica, que funciona muito bem, especialmente para seus aterradores momentos iniciais. Desde o momento em que ela volta ao percebemos que ela não é uma pessoa de desistir fácil. Depois de um período afastada do serviço público (por motivos políticos que lhe renderam até uma prisão no ano de 1936) ela fica chocada com os tratamentos a que são submetidos os internos da instituição. Lobotomia e eletrochoque eram vistos como os melhores tratamentos para os transtornos que apresentavam, mas Nise sempre se posicionou contra tratamentos agressivos e violentos, de forma que revolucionou o tratamento da época utilizando a arte como terapia. Nise ganha corpo com a atuação vigorosa de Glória Pires que resgata a força da personagem diante do embate com o tratamento excludente com que se depara. Há de se exaltar também a atuação do elenco de apoio que tem a difícil tarefa de encarnar os clientes da clínica de forma convincente, especialmente na transição que atravessam ao longo do filme. A história de Nise é tão fascinante que poderia render outros filmes, um que conte o que houve antes do período retratado aqui (tempo em que se tornou amiga de Graciliano Ramos na prisão, o que a tornou personagem do livro Memórias do Cárcere) e até outro sobre a forma como se tornou reconhecida após anos desafiando seus colegas de trabalho a buscar um tratamento mais humanizado para os pacientes psiquiátricos (já que aqui existe um corte bem antes disto). Nise tinha diálogos com críticos de arte e Carl Jung (que aparecem no filme sem ser muito explicativos) serviram para que seu trabalho transcendesse a lógica da época, a tornando referência no tratamento psiquiátrico. O Ciclo Verde e Amarelo deste ano se despede com uma personagem histórica que merece ser sempre lembrada e celebrada, assim como Elis, que abriu nossa semana por aqui.
Nise - O Coração da Loucura (Brasil/2015) de Roberto Berliner com Glória Pires, Fabrício Boliveira, Caludio Jaborandy, Flavio Bauraqui, Roney Villela, Julio Adrião e Bernardo Marinho. ☻☻☻☻
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