quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Na Tela: O Sacrifício do Cervo Sagrado

Barry e Colin: relações diabólicas. 

Ainda considero que Yorgos Lanthimos é o diretor do concorrente mais esquisito a Melhor Filme Estrangeiro de todos os tempos no Oscar. Ele tinha apenas dois longa-metragens no currículo quando lançou Dente Canino (2009) que lhe rendeu dois prêmios no Festival de Cannes antes que em 2011 a Academia o descobrisse. Parte da crítica ficou fascinada com o estilo desafiador do cineasta e a outra parte ficou assustada tendo que lidar com seu filme seguinte, Alpes (2011), logo em seguida, já que seus trabalhos demoram muito a serem distribuídos pelo mundo. Em 2015 ele lançou  a comédia O Lagosta no Festival de Cannes e saiu de lá com o prêmio de melhor roteiro pela história surreal sobre amor, solidão e como a pressão social pode ser autoritária (seja num grupo de ajustados ou desajustados). Não foi por acaso que a Academia indicou seu humor obscuro ao Oscar de melhor roteiro em 2017. Diante do estilo incômodo do cineasta, o novo O Sacrifício do Cervo Sagrado era um dos mais aguardados do ano e, ao ser visto em Cannes, foi mais uma vez lembrado na categoria de Melhor Roteiro. Mas o que há de tão fascinante na escrita de Lanthimos? Quem acompanha seus trabalhos conhece o seu apreço pelo inesperado ao desafiar as plateias com histórias que elevam a sátira ao que ela pode ter de mais cruel. Sim, Lanthimos dirige sátiras, mas não aquelas divertidas, são sofridas. O Sacrifício do Cervo Sagrado, talvez seja o ponto em que conseguimos identificar em seus trabalho o que há de influência das tragédias gregas em suas criações. Já que revela, novamente, como as decisões de seus protagonistas os inserem numa sucessão de fatos das quais não conseguirá reverter. Aqui ele conta a história de dois personagens cujo destino resolveu cruzar em consequências tão inacreditáveis quanto inexplicáveis. Steven Murphy (Colin Farrell) é um renomado cirurgião que mantem contato com o filho adolescente de um dos seus ex-pacientes. Martin (Barry Keoghan) sempre procura Murphy, os dois conversam, lancham juntos, conhecem a família um do outro, no que poderia ser visto uma espécie de mea culpa pelo pai do rapaz ter falecido durante uma cirurgia feita por Steven. Talvez Martin só enxergue no médico uma figura paterna (e o encontro forjado de Murphy com sua mãe, vivida por Alicia Silverstone, reforça isso), no entanto a coisa desanda lá pela metade. O jovem lança uma espécie de maldição sobre a família de Murphy, afetando diretamente os filhos do cirurgião (Raffey Cassidy e Sunny Suljic) - que adoecem sem explicação e a próxima vítima será a esposa de Steven, Anna (Nicole Kidman). De acordo com Martin, a única chance do médico salvar a família é escolher um deles para morrer e, assim, salvar os demais. Partindo de uma ideia tão perturbadora, o filme segue por caminhos que nunca se preocupam a explicar o que de fato está acontecendo, deixando o espectador sem saber o que esperar na próxima cena. Lanthimos aqui se mostra ainda mais contido, extraindo  de seu elenco atuações minimalistas, em que só lhes permite o mínimo em cena. Neste universo, o novato Barry Keoghan (que já apareceu em Dunkirk/2017) tem uma atuação diabólica. No início ele parece um garoto um tanto inquieto e aparvalhado, mas aos poucos consegue lhe oferecer uma profundidade ameaçadora sempre que muda o tom do personagem.  Um trabalho difícil que é feito com uma desenvoltura impressionante. Seu empenho lhe valeu várias indicações a prêmios, incluindo ao Independent Spirit Awards na categoria de ator coadjuvante. Embora o roteiro seja marcante (mais uma vez assinado por Lanthimos ao lado do parceiro Efthimis Filippou) o que mais impressiona é o trabalho de direção, especialmente pela câmera que desliza de uma cena para outra, em uma leveza que contrasta com o tom solenemente trágico da história. Quem não conhece o estilo do diretor irá se assustar com este suspense sombrio de riso nervoso, especialmente com aquela cena da família reunida na sala, perto do final. O Sacrifício do Cervo Sagrado é a jornada de Lanthimos por um caminho mais sutil, mas ainda inquieto e pleno em seu desencanto com a humanidade. 

O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer / EUA - Reino Unido - Irlanda / 2017) de Yorgos Lanthimos com Colin Farrell, Barry Keoghan, Nicole Kidman, Raffey Cassidy, Sunny Suljic e Alicia Silverstone. ☻☻

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