Daniela: luto incompreendido.
Candidato ao Oscar de Filme Estrangeiro deste ano, o chileno Uma Mulher Fantástica já tem o prestígio de ganhar três prêmios no Festival de Berlim de 2017. O filme de Sebastián Lelio levou para casa o Urso de Prata (espécie de segundo lugar do Festival), o prêmio do júri ecumênico e o Teddy (o prêmio voltado para o público LGBTQ) por contar a história de Marina Vidal, uma mulher transexual que atravessa uma série de situações após a morte de seu namorado, Orlando (Francisco Reyes). Se até o fatídico episódio os dois formam um casal apaixonado como tantos outros, a coisa complica quando o leva ao hospital. A partir dali, além de lidar com a morte do parceiro, Marina precisa passar por uma série de procedimentos que parecem comuns, mas que sempre resultam em momentos humilhantes e constrangedores. Entre ter que relembrar os últimos momentos do namorado, Marina ainda precisa passar por um exame de corpo de delito e encontrar com a família do falecido que não via com bons olhos o relacionamento dos dois - a única exceção é por parte do irmão dele, Gabo (Luis Gneco) que demonstra ser compreensivo, mas bastante passivo diante da atitude dos demais. Marina escuta todo tipo de insultos, xingamentos, ofensas e até sofre agressões físicas e psicológicas durante o filme, deixando claro que as pessoas a percebem com uma espécie de coisa rotulada e incapaz de ter sentimentos sobre a perda que acabou de sofrer. Uma Mulher Fantástica soa como uma espécie de manifesto sobre a incapacidade de parte dos seres humanos perceberem o diferente como um semelhante, com dores, amores, tristezas, alegrias e merecedor de respeito. Poderia ser apenas isso, não fosse um exercício do diretor em apresentar Marina como uma personagem única e é justamente por ser uma transgênero que sua identidade se constrói. Dependendo do ângulo, de um gesto, de um sorriso estamos diante mesmo de uma mulher completa, mas ao mesmo tempo, o mundo gosta de lhe infligir momentos para lembrá-la que ela não é uma mulher qualquer - e as provocações mexem com o imaginário do espectador que cria especulações sobre o próprio corpo da personagem.´Não por acaso, em determinado momento alguém diz que ela é uma quimera - que em sua essência é um ser mítico, imaginário. Curioso notar que a frase revela mais sobre quem a diz do que sobre a protagonista, já que reflete a incapacidade da antagonista perceber em Marina uma pessoa de carne e osso, a limitando a um reflexo do que o imaginário é capaz de conceber. Sebastián Lelio já havia feito um trabalho notável com uma personagem feminina em Glória (2013) e aqui faz o mesmo com a ajuda da atriz Daniela Vega em seu segundo papel no cinema. Daniela não apenas é atriz como também é cantora lírica (e no filme ela também mostra o que é capaz de fazer com sua voz) e tem uma atuação contida, internalizada que faz com que a plateia projete as emoções nela sem pensar duas vezes. Uma Mulher Fantástica pode até não levar o Oscar, mas já é um marco ao ser reconhecido pela Academia de Hollywood como um registro de como a sociedade ainda tem muito o que aprender sobre lidar com as diferenças.
Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantástica / Chile-Alemanha-Espanha-EUA / 2017) de Sebastián Lelio com Daniela Vega, Francisco Reyes, Luis Gneco e Nicolás Saavedra. ☻☻☻☻
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