Reza a lenda que uma vez o cineasta Andrei Tarkovsky participou de uma sessão espírita e teria recebido uma comunicação do poeta e romancista russo Boris Pasternak, que comunicou que ele dirigiria sete filmes. Desiludido, Andrei perguntou "Mas somente sete?" e Boris respondeu "Mas serão ótimos!". Nostalgia é o penúltimo filme do diretor e manteve o alto conceito de sua cinematografia. Este foi o primeiro do cineasta a que assisti (lembro que foi numa tarde chuvosa de julho, o que ajudou muito para entrar no clima do filme - e confesso que adoro ver filmes do leste europeu em dias frios). Confesso que achei um dos filmes mais bonitos que já assisti, não apenas pela história em si, mas pela forma como o diretor produz suas imagens e constrói as transições com uso de luzes e sombras no que poderia ser pensado como um exercício da memória ou realidade e sonho, mas também passado e presente. O filme retrata a viagem de um poeta russo chamado Andrei Gorchakov (Oleg Yankovski) pela Itália em busca de inspiração para a vida. Ele está nesta jornada há três meses ao lado de uma atriz (Domiziana Giordano) e a tensão sexual entre eles é bastante palpável. O filme os acompanha ao chegar a um vilarejo ao norte italiano e, ainda pensativo sobre os rumos que sua vida tomou até ali, ele passa a olhar aqueles cenários e locações pela lente de suas lembranças, o que transforma os cenários e personagens com o que deixou em sua terra natal. Neste ponto da viagem, o protagonista ainda fica instigado com Domenico (Erland Josephson), conhecido como um morador excêntrico e solitário da região que guarda um segredo trágico que funciona como uma projeção da história que Andrei deixou na União Soviética. Tarkovsky opta sempre por caminhos não óbvios ao destacar a jornada destes dois personagens masculinos com trajetórias e desfechos distintos na história que trabalha muito bem, entre a loucura e o onírico está o atrito entre a vida de ambos. Se um termina protegendo uma chama na esperança de fazer um mundo melhor, o outro utiliza a chama como forma de protesto visceral diante de uma plateia apática. Nostalgia se constrói a partir da construção de cenas que são pura poesia num verdadeiro reflexo da psiquê de seus personagens. No entanto, o mais notável é a forma como o diretor trabalha sua fotografia entre luzes, sombras, cores e planos que modificam a cena diante dos nossos olhos num verdadeiro espetáculo cinematográfico. Trata-se não apenas de um mergulho na mente do protagonista e que pode gerar diversas interpretações por parte do espectador (especialmente quando imaginamos que este foi o primeiro filme do diretor fora de sua terra natal). A beleza desta obra recebeu três prêmios no Festival de Cannes: melhor realizador, prêmio do júri e o FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) e até hoje funciona pleno em com suas imagens hipnóticas que fazem o que Tarkovsky sempre chamou de esculpir o tempo através de seu cinema.
Nostalgia (Nostalghia / União Soviética - Itália / 1983) de Andrei Tarkovsky com Oleg Jankovsky, Erland Josephson, Domiziana Giordano, Patrizia Terreno, Laura De Marchi, Delia Boccardo, Milena Vukotic, Raffaele Di Mario, Rate Furlan, Livio Galassi, Elena Magoia, Piero Vida, Lia Tanzi e Sergio Fiorentini. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário