sexta-feira, 31 de outubro de 2025

HIGH FI✌E: Outubro

 Cinco produções assistidas durante o mês que merecem destaque:

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4EVER: Tchéky Karyo

04 de outubro de 195331 de outubro de 2025

Filho de pai turco e mãe grega, Baruh Djaki Karyo nasceu em Istambul, na Turquia e desenvolveu interesse pela música e pela atuação. Seu rosto marcante e o físico imponente chamou atenção de vários diretores que o convidaram para atuar no cinema a partir de 1982. Ao longo de sua carreira acumulou 140 produções no currículo. Entre seus trabalhos mais marcantes estão O Urso (1988), Nikita (1990), 007 Contra Goldeneye (1995) e  A Lente do Amor (1997). Embora não fosse conhecido pelo grande público, Karyo ficou um pouco mais conhecido no cinema brasileiro dos anos 1990 por conta de suas parcerias com o diretor Walter Salles nos filmes A Grande Arte (1991) e Terra Estrangeira (1995). Habituado a viver vilões em produções estrangeiras, o ator se tornou fluente em turco, grego, francês e inglês. Em 1983, Karyo recebeu sua única indicação ao Prêmio César de ator mais promissor por seu trabalho em La Balance. O ator faleceu vítima de câncer. 

NªTV: O Estúdio

Seth e sua equipe: a arte de rir de si mesmo.  

Durante o período que estive afastado aqui do blog eu assisti uma série que foi muito comentada na época, mas que preferi aguardar todos os episódios estarem disponíveis para ver. A série em questão é O Estúdio da AppleTV que se tornou a recordista de indicações na história do EMMY - das quais recebeu doze prêmios (entre eles série de comédia, direção e ator de comédia). Idealizada por Seth Rogen, a série é uma grande chacota com a indústria cinematográfica e possui tantas referências, piadas e provocações ao meio que é até difícil destacar qual é a melhor. Seth vive Matt Remick, um produtor que ganha a tarefa do dono do estúdio (papel de Bryan Cranston) de ser o diretor do estúdio. O que parece ser o sonho de sua vida, começa a apresentar os efeitos colaterais quando precisa lidar com seu gosto por fazer arte e a necessidade de gerar lucro. Além disso, existe um punhado de egos no caminho para lidar e uma equipe barulhenta que sempre dilui suas certezas sobre o que é certo fazer ou não. Composto de onze episódios a primeira temporada investe em um ritmo caótico, que na grande maioria das vezes não deixa pausas para respirar e investe em longos planos sem cortes. Existem trocentas participações especiais por aqui (a minha favorita é a de Martin Scorsese vivendo ele mesmo em momentos complicados com sua relevância artística em contraposição com valores monetários desejados pelo estúdio. Martin está tão bem no papel dele mesmo que foi indicada ao Emmy de ator coadjuvante), assim como momentos de pura galhofa como aquele episódio do Globo de Ouro em que todo o drama gira em torno de um discurso de agradecimento.  Sei que pelo tempo que demorei para postar sobre a série você já deve ter assistido, mas se não assistiu, vale a pena dar uma chance para uma das comédias mais engraçadas dos últimos anos. Vale dizer que Seth Rogen me surpreendeu ao investir em um projeto tão ambicioso e que utiliza seu talento para além do besteirol. Em diversas vezes tenho a impressão que sua habilidade de rir de si mesmo está exposta em vários momentos, assim como o dom de olhar com cinismo e ternura para o trabalho a que se dedica desde que recebeu algum destaque na série Freaks and Geeks (1999). Claro que quem é cinéfilo de verdade irá apreciar ainda mais as camadas sobrepostas de piadas que temos aqui sobre o mundo as celebridades e seus projetos, meu único problema com a série é o último episódio que destoa de todo o resto e funciona como um anti climax a tudo que se viu até ali. 

O Estúdio (The Studio / EUA - 2025) de Seth Rogen, Evan Goldberg e Peter Huyck com Seth Rogen, Catherine O'Hara, Ike Barinholtz, Chase Sui Wonders, Kathryn Hahn, Dewayne Perkins, Nicholas Stoller, Dave Franco e Bryan Cranston.  

PL►Y: A Vida em Resumo

Ben (à esquerda): dieta cubista. 

Ben é um garoto de doze anos que adora cozinhar e comer. No entanto, quando volta às aulas, todos percebem que ele ganhou muito peso e sua mãe considera que é importante procurar uma nutricionista para acompanhar de perto o que está acontecendo. De início o menino rejeita a ideia, já que está aparentemente satisfeito com sua realidade, mas conforme passa a ser alvo de bullying na escola e começa a ter interesse por uma colega, ele resolve aceitar fazer um regime para perder peso. Este poderia ser apenas um filme sobre os problemas de auto estima na adolescência, não fosse também uma animação tcheco-eslovaca-francesa baseada no livro de Mikäel Ollivier - e que flerta o tempo inteiro com um musical. A ideia de ser uma animação stop-motion já chama atenção e merece ainda mais destaque pelo estilo utilizado na confecção dos bonecos, que não tenta ser fofinho, pelo contrário, investe em personagens com traços cubistas em suas feições e expressões. Se o resultado pode gerar estranheza, também causa ainda mais empatia pelo simpático Ben, já que ele é (de longe) o personagem com traços mais fofos da animação e, ao mesmo tempo, é o que tem sua aparência mais criticada. Apesar desta característica estética peculiar, a direção de Kristina Dufková investe em uma atmosfera bastante alegre, colorida, com músicas pop e algumas paródias na trilha sonora, além disso, ela consegue imprimir ao texto dramas bastante recorrentes da passagem da infância para a adolescência. A mistura das mudanças corporais, com os padrões e a avalanche hormonal que desperta tanto os interesses amorosos quanto os problemas de auto estima ganham destaque por aqui, assim como a relação mãe e filho, além da percepção da vontade de comer associada a fatores como ansiedade e insatisfação pessoal. Ainda que a ideia esteja bem longe de uma animação padronizada, a narrativa alcança um resultado que consegue dosar de forma coerente drama adolescente com humor enquanto constrói um protagonista bastante carismático. Não é o tipo de filme que terá grande apelo comercial, mas é uma produção bastante curiosa que merece atenção. 

A Vida em Resumo (Zivot k sezrání / Living Large - República Tcheca / Eslováquia / França - 2024) de  Kristina Dufková com vozes de Hugo Kovács, Sebastian Pöthe, Agáta Tandlerová, Katarina Heilein e David Novotný.  

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

PL►Y: Eden

Jude e Vanessa: ódio de vizinhos.

Décadas depois da Primeira Guerra Mundial, a Europa ainda era um território bastante pessimista. Se você lembrar que os sentimentos envolvidos neste período entre guerras foram os mesmos que alimentaram a ascensão dos regimes fascistas por lá, você já imagina que a atmosfera não era das mais agradáveis. Decepcionado com os rumos da humanidade, o doutor Friedrich Ritter (vivido aqui por Jude Law) resolveu viver isolado na civilização ao lado da esposa, Dore Strauch (Vanessa Kirby) na ilha Floreana em Galápagos. Longe da sociedade, ele imaginou que poderia viver em paz e elaborar melhor seus ensaios filosóficos sobre a humanidade e a civilização. No entanto, ele não imaginava que nos anos 1930 sua experiência o transformaria em uma espécie de lenda que despertava curiosidade e uma  certa admiração de quem presenciava o nascimento de um dos momentos mais obscuros da História. Foi buscando um pouco de paz que o casal Heinz (Daniel Brühl) e Margret (Sidney Sweeney) chegam com o filho em Floreana. Porém a presença de vizinhos não estava nos planos de Ritter e ele começa a fazer de tudo para estragar a experiência dos recém chegados. Se os dois vieram em busca de sossego, a coisa piora bastante com a chegada de uma excêntrica baronesa, Eloise (Ana de Armas) que junto aos seus amantes chega com o intuito de estudar o local para a abertura de um hotel, o Hacienda Paradiso. Com o objetivo de empreender e levar turistas para aquele local, os conflitos se tornam inevitáveis e o que se vê é a reprodução naquele microcosmo de todas as disputas, mesquinharias e trapaças que vemos em uma sociedade mais ampla. As intrigas crescem para roubos e assassinatos, o que vai contra tudo o que os personagens buscavam e, sobretudo, o que Ritter pregava em seus ensaios publicados fora daquela ilha. Ninguém mistura um elenco destes por acaso e, o maior trunfo de Eden é o calibre das atuações. A história (baseada em fatos reais) demora para engrenar com aquela tradicional direção corretinha de Ron Howard, deixando para os atores manterem o interesse do espectador sobre o que irá acontecer. Se Jude Law exagera, pelo menos se despe (literalmente) de qualquer vaidade para compor um personagem que já perdeu a noção do que é conviver com outras pessoas, Vanessa Kirby repete a austeridade que já vimos em outros trabalhos dela, Ana de Armas convence como uma mulher ambiciosa e perigosa, Daniel Brühl mais uma vez é o bom moço (que não tem muito o que fazer em cena) e o destaque fica por conta de Sydney Sweeney que aos poucos percebe que o marido a levou para um verdadeiro inferno. As paisagens paradisíacas contrastam com as relações ásperas entre os personagens e ajudam a distrair um pouco a cabeça quando toda a pretensão resulta num filme que se estica mais do que deveria. Fico pensando o que um diretor do naipe de Lars Von Trier ou Michael Haneke faria com um material desse nas mãos, com certeza o resultado seria bem mais explosivo e perturbador. 

Eden (EUA - 2024) de Ron Howard com Jude Law, Vanessa Kirby, Ana de Armas, Sydeney Sweeney, Daniel Brühl, Felix Kammerer, Toby Wallace, Jonathan Tittel, Ignacio Gasparini, Richard Roxburgh e Nicholas Denton.   

terça-feira, 28 de outubro de 2025

PL►Y: Bridget Jones - Louca pelo Garoto

Renée e Leo: mais drama do que humor. 

Sou daqueles que leu O Diário de Bridget Jones quando não se falava de outra coisa. Li nos tempos de faculdade e também li a sequência, Bridget Jones no Limite da Razão, mas já não curti tanto. Eu também assisti ao filme de 2001 que rendeu a primeira indicação ao Oscar para Renée Zellwegger e ouvi todo mundo falando sobre o sotaque inglês que a texana precisou simular para derrotar nomes como Kate Winslet e Helena Bonhan-Carter na disputa pelo papel. No fim das contas a personagem acabou ficando nas melhores mãos, já que passado tanto tempo desde que a personagem se tornou febre mundial (tempo suficiente para Renée ganhar dois Oscars em sua carreira) a atriz continua interpretando a personagem com as mesmas caras, bocas e leveza de antes. É verdade que o tempo passou e a vida da personagem se tornou bem menos interessante do que quando era disputada pelo almofadinha Mark Darcy (Colin Firth) e pelo canastra Daniel Cleaver (Hugh Grant), ela também se tornou bem mais ocupada para gastar o tempo contando as calorias ingeridas ao longo do dia. Na verdade, Louca pelo Garoto é o terceiro livro com a personagem, mas houve tanta confusão em sua adaptação que resolveram criar uma outra história para a telona em 2016 por considera-lo muito deprimente. Confesso que não li este terceiro livro, mas diante do que vejo nesta adaptação os produtores fizeram muito bem em utilizar o material do livro em outro momento. Adaptado originalmente para a TV (e exibido nos cinemas daqui), Bridget agora cuida dos dois filhos após ficar viúva de Darcy e precisa encarar a nova fase de sua vida, com os problemas das crianças na escola, o retorno ao mercado de trabalho, encontrar tempo para os amigos e superar o luto que ainda não passou. Como ela não tem mais idade para cair nas lorotas do Daniel Cleaver, agora os dois são só amigos e ela acaba tendo interesse por um rapaz mais jovem, Roxster (Leo Woodall). Esta atração irá fazê-la reviver alguns conflitos com sua imagem, só que agora, com o acréscimo da passagem do tempo e as inseguranças de um mundo mais digital e hiperconectado assombrado pelo ghosting. No entanto, além do jovem rapaz, existe um gosto pela presença do professor Scott (Chiwetel Ejiofor), que também pode ser a promessa de um belo recomeço. Se há um problema em Louca pelo Garoto é o temor de tudo ficar melancólico demais, o que faz com que o roteiro busque soluções um tanto fáceis e apressadas para as situações apresentadas. Outro problema é que o humor do filme é bem fraquinho, bem distante das risadas que o primeiro longa provocava. O tempo passou para Bridget Jones e a sensação é que a vida dela mudou bastante, pode não ser tão animada, mas se tornou mais próxima dos mortais que acompanham sua trajetória desde que foi publicada pela primeira vez. É um tanto fora da curva cinematográfica da personagem, mas eu adoraria ver daqui dez anos um outro filme da personagem em que ela se juntasse com os amigos e fosse curtir férias em algum canto longe de toda seriedade da vida madura e sem se preocupar tanto com a vida amorosa. 

Bridget Jones - Louca Pelo Garoto (Bridget Jones - Mad About the Boy / Reino Unido - França - EUA / 2025) de Michael Morris com Renée Zellweger, Chiwetel Ejiofor, Leo Woodall, Hugh Grant, Colin Firth, Sally Phillips, Mila Jankovic e Casper Knopf.  

PL►Y: A Última Showgirl

Pamela Anderson: renascida das cinzas. 
 
Pamela Anderson foi uma das atrizes mais comentadas dos anos 1990, muito por conta de seu trabalho na série Baywatch (1989-2001) que ficou popular no Brasil com o nome de S.O.S. Malibu. É verdade que o sucesso da atriz tinha mais relação com sua anatomia do que com seus dotes dramáticos que, digamos, não tinham muito espaço na série. Com o fim do programa, Pamela não emplacou novas séries, não conseguiu sucessos de bilheteria e ainda se meteu em uma das situações mais bizarras da história do showbizz quando uma fita VHS em que havia registro de relações sexuais com seu esposo ganhou o submundo da Internet. Pamela, que nunca havia sido levada a sério, virou motivo de chacota. Recentemente a trajetória da atriz foi revisitada em duas ocasiões. Na minissérie Pam & Tommy (2022) sobre a famigerada fita e vídeo e em um documentário (2022) realizado para a Netflix sobre a vida atual da atriz. No documentário, Pamela aparecia mais madura e disposta a provar seu valor como atriz ao encarar uma conhecida peça de teatro nos palcos. Acho que a cineasta Gia Coppola assistiu aquele documentário e pensou que a loura era a atriz ideal para seu novo filme sobre uma showgirl que após anos em cartaz com um show em Las Vegas, precisa colocar sua vida em perspectiva para conseguir seguir em frente. Pamela vive Shelly Gardner, uma veterana dos palcos que um dia recebe a péssima notícia que o espetáculo do qual participa há trinta anos sairá de cartaz. Se suas colegas de palco recebem a notícia com certo desamparo, a reação de Shelly beira o desespero. Não apenas por conta da idade que não é mais a mesma de quando o show estreou, mas também pelas contas que não serão suspensas e, rincipalmente por conta da dose de glamour (ainda que modesta) que sua vida perderá. É justamente no encantamento que Shelly percebe em sua vida nos palcos que reside o que A Última Showgirl tem de mais tocante. Para a maioria das pessoas, aquele show já saiu de moda faz tempo e soa até decadente com o pouco público que atrai, mas para Shelly, aquele é seu lugar no mundo. Onde ela percebe que faz a diferença, já que a vida do lado de fora não tem muita graça sem os brilhos, mas cheia de conflitos com a filha e a vida amorosa estacionada para administrar. Em alguns momentos o filme parece demonstrar que o show deixou Shelly numa espécie de redoma, em que ela ficou até protegida do passar do tempo (ou seria apenas alienada de todo o resto?). A ideia de voltar a fazer testes de seleção e se deparar com coreografias bem mais explicitas e sexualizadas do que as do passado lhe deixam um tanto aflita e, tudo isso, contrasta com a voz doce quase infantilizada que Pamela imprime à personagem em seu rosto marcado pelo tempo. A forma como a atriz defende a personagem a colocou no páreo de diversas premiações deste ano (SAG, Globo de Ouro, Gotham e até um Prêmio Redenção no Framboesa de Ouro) e provou que Pamela realmente sabe atuar. Se aprendeu ao longo de sua trajetória complicada ou nunca percebemos por não terem lhe dado um papel que prestasse não importa. O fato é que os medos e inseguranças de Shelly se tornam palpáveis no filme e, não satisfeita, Gia Coppola coloca um grupo de personagens interessantes em torno dela, seja a novata vivida por Kiernan Shipka, a garçonete rouba-cenas de Jamie Lee Curtis ou o administrador interpretado por Dave Bautista. Por vezes o roteiro até ironiza o fato destes personagens formarem uma família, mas na verdade estão todos solitários em suas insatisfações. Com fotografia granulada e doses cavalares de melancolia, A Última Showgirl se tornou um daqueles filmes que muda a trajetória de uma artista. Conseguir este feito aos 58 anos em um filme que critica o hetarismo em uma indústria que sexualiza corpos femininos para descartá-los depois não é pouca coisa. 

 A Última Showgirl (The Last Showgirl / EUA - 2024) de Gia Coppola com Pamela Anderson, Kiernan Shipka, Jamie Lee Curtis, Brenda Song, Dave Bautista, Billie Lourd e Jason Schwartzman

NªTV: Boots

Miles Heizer (em destaque): crescimento árduo. 
 
Baseado no livro The Pink Marine sobre as experiências de seu autor Greg Cooper White como fuzileiro naval, a série Boots se tornou uma das séries mais aguardadas do ano por conta da ideia de contar a história de um jovem gay que ingressa na vida militar. White foi militar nos anos 1970, um período em que ser homossexual nas forças armadas era ilegal. Mantendo sua sexualidade em segredo até os anos 1980, ele chegou a se tornar sargento, mas depois se tornou roteirista de TV e considerou importante incentivar os jovens que se viam em situações parecidas com a dele. Por conta disso escreveu o livro que deu origem à série da Netflix. Obviamente que o material original sofreu alterações em sua transição para outro formato, mas nada que atrapalhe o desenvolvimento da história em torno de Cameron Cope (Miles Heizer) que se alista na marinha ao lado do amigo heterossexual, Ray (Liam Oh) e lá descobre que a situação é bem mais tensa do que imaginava (tanto com relação ao treinamento quando à exposição dos corpos masculinos). A série demonstra como o treinamento é árduo para qualquer um, mas o bullying e a perseguição sofrida por Cameron piora um pouco mais as coisas para ele, especialmente quando ele mesmo percebe que está ali mais para provar algo a si mesmo do que para qualquer outra pessoa. Cameron sofre um bocado, mas pode-se dizer que os outros personagens também tem doses consideráveis de desafios. Entre colapsos nervosos, acidentes e brigas por qualquer motivo, a ideia de uma masculinidade que não alcança o ápice do que se espera dela se torna um verdadeiro fardo para a maioria dos personagens. Neste ponto, as interações entre os personagens em seus dramas pessoais faz com que a trama caminhe bem por boa parte dos oito episódios, embora eu considere que nos três últimos a coisa comece a se tornar um tanto repetitiva e arrastada. É preciso dar os parabéns para Miles Heizer que realiza um ótimo trabalho como o protagonista em amadurecimento diante de um espaço tão opressor. O ator consegue transmitir toda a transformação do personagem personagem e, além disso, vive até uma outra versão de si mesmo (uma que encara o fato de ser gay com muito mais naturalidade, sem as preocupações com os outros) que lhe faz companhia de vez em quando. Quem também merece destaque é Blake Burt (John Bowman) que de início parece o vilão da história até que os episódios começam a descascar sua personalidade através de uma investigação. Pode se dizer que na segunda metade da série, Blake começa a receber mais destaque na trama e toda sua perseguição em torno de Cameron muda de contexto ao olhar do espectador. Bem produzida e com bom elenco, Boots se tornou um acerto da Netflix que soube se destacar para além das eventuais polêmicas sobre sua temática (precisa lembrar que Donald Trump se deu ao trabalho de dizer que odiou a série?). Ambientado nos anos 1990 (período em que houve a política do "Don't Ask, Don't Tell" em torno da sexualidade de militares nos Estados Unidos), Boots termina a primeira temporada com um gancho interessante para a próxima temporada. Resta saber o que a vida sexual de Cameron lhe reserva para a próxima leva de episódios, já que durante os treinos desta aqui ele foi um rapaz bastante comportado. 
 
Boots (EUA - 2025) de Andy Parker com Miles Heizer, Blake Burt, Ana Ayora, Cedrick Cooper, Dominic Goodman, Nicholas Logan, Kieron Moore, Angus O'Brien, Liam Oh, Max Parker e Vera Farmiga. ☻☻ 

domingo, 19 de outubro de 2025

PL►Y: Dreams (Love SEx)

Ella e sua musa: entre o real e o imaginário.  

Johanne (Ella Øverbye) é uma adolescente de 16 anos que se percebe apaixonada pela professora de artes, Johanna (Selome Emnetu). Ela fica tão apaixonada pela professora que passa a lhe fazer visitas frequentes com a desculpa de aprender a fazer crochê. No entanto, um rompimento acontece e para filtrar melhor as emoções ela escreve sobre a relação das duas e, ainda querendo desabafar sobre o que aconteceu, ela mostra o texto para a avó, que é editora. Diante das palavras da jovem, a avó fica preocupada, mas um tanto envaidecida em saber que a neta é capaz de escrever tão bem. Além disso, a avó percebe que precisa comunicar à mãe sobre o ocorrido e a situação se desenrola entre várias camadas. Essas camadas se misturam na narrativa, nunca deixando muito claro o que de fato aconteceu e o que é imaginação de Johanne. São pontuadas várias questões, a da mãe que considera que a filha foi vítima de abuso por parte da professora, a da avó que considera que o texto pode se tornar um sucesso editorial, a editora que quer vender o livro como uma narrativa de "despertar de uma jovem queer" e as questões da própria Johanne que queria desabafar sobre o que sentia. Dreams é o encerramento da trilogia de Dag Johan Haugerud também composta pelos anteriores Sex (2024) e Love (2024), mas foi o desfecho que se tornou mais conhecido com seu Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano. Embora não seja o meu favorito da trilogia, é um filme que se beneficia muito da ambiguidade complicada da temática que aborda, a qual o diretor demonstra ter bastante sensibilidade na abordagem. Sem escândalos ou apelações, o filme descasca as emoções da personagem e a situação narrada em momentos interessantes como o diálogo da mãe de Johanne com a professora ou aquele desfecho da protagonista junto ao terapeuta. Falando nisso, o terapeuta Bjørn (Lars Jacob Holm) volta a aparecer após a participação minúscula no primeiro filme e o destaque do segundo, assim como ele, o enfermeiro Tor (Tayo Citadella Jacobsen) também aparece, logo no início, mas é uma pena que o filme não apresenta nenhum desdobramento do relacionamento que os dois tiveram no filme anterior. Ainda que o filme seja interessante, ainda considero Love o meu favorito com seus diálogos que parecem saídos de uma sessão de terapia. No entanto, ao final da sessão, tenho a impressão que se Todd Haynes não fosse o presidente do júri no Festival de Berlim, dificilmente ele sairia de lá com a honraria máxima. O filme dialoga muito com a cinematografia de Haynes e também me lembrou um pouco Dentro da Casa (2012) de François Ozon se tivesse um pouco mais de pés no chão. Um desfecho interessante para a trilogia sobre as relações amorosas nos dias atuais. 

Dreams ( Drømmer / Noruega - 2025) de Dag Johan Haugerud com Ella Øverbye, Selome Emnetu, Ane Dahl Torp, Anne Marit Jacobsen, Andrine Sæther, Ingrid Giæver e Lars Jacob Holm. ☻☻☻

PL►Y: Chained for Life

Jess e Adam: a aparência identitária segundo Schimberg.  

Aaron Schimberg estreou na direção com Go Down Death (2013) filme indie em preto e branco que não conseguiu muita repercussão com sua narrativa de contos macabros. Um tanto mais palatável foi seu segundo trabalho, Chained for Life (2018) que traz alguns elementos semelhantes com Um Homem Diferente (2024), que apareceu em algumas premiações do ano passado. Em comum, os dois filmes tem o ótimo trabalho de Adam Pearson, um ator inglês com neurofibromatose (uma doença genética que causa o crescimento de tumores benignos no tecido nervoso). Se no filme do ano passado Schimberg contou a história de um ator que se submete à um tratamento experimental para se curar da neurofibromatose e embarca em uma crise de identidade, em Chained for Life temos um filme dentro do filme sobre um grupo de pessoas com particularidades físicas que buscam tratamento em um hospital liderado por um médico em busca de métodos revolucionários. A protagonista do filme (e do outro filme) é Mabel (Jess Weixler), cuja personagem cega que interpreta convive com os outros personagens sem saber exatamente a aparência de quem a cerca. Ela começa a ter um relacionamento especial com Rosenthal (Adam Pearson) no filme e o mesmo acontece com os dois atores que se tornam cada vez mais próximos. Fosse o filme só isso já seria interessante, mas Schimberg não se contenta e começa a inserir outras narrativas na produção, o que pode deixar a trama um tanto confusa para alguns, mas que também deixa o deixa mais interessante ao brincar com a percepção que o espectador tem do que assiste na tela. Acho que nem vale a pena citar como tudo se desenrola para não atrapalhar as surpresas que o filme reserva no meio do caminho, seja uma história paralela, um final alternativo e até um acidente arrepiante durante as filmagens. Sem dúvida Aaron Schimberg é um diretor para se ficar de olho, especialmente pela forma desafiadora como trabalha questões vinculadas à aparência e a identidade em tempos em que a imagem se tornou uma verdadeira obsessão com suas harmonizações e filtros digitais. Tanto em Chained for Life quanto em Um Homem Diferente temos personagens que percebem suas aparências como uma marca de sua identidade, de quem se é de verdade. Ainda que a citação de início provoque com sua alusão à importância da aparência dos atores para seu oficio, a narrativa por vezes a vira isso do avesso no filme e nos caminhos criativos que  os outros personagens sugerem no decorrer da história. No meio de tudo isso, Adam Pearson faz um trabalho realmente destemido. Acho muito interessante que ele tenha conquistado espaço no cinema após seu trabalho como o personagem mais tocante do gélido Sob a Pele (2013) e levando em consideração as intenções cada vez mais evidentes do cinema de Schimberg, ele se torna um muso sob medida. Chained for Life é um filme difícil de classificar por sua mistura de gêneros, o que não impede que seja muito interessante ainda que seu último ato seja menos interessante do que deveria. 

Chained for Life (EUA - 2018) de Aaron Schimberg com Jess Weixler, Aaron Pearson, Charlie Korsmo, Sari Lennick, Stephen Plunkett, Frank Mosley e Joaquina Kalukango. ☻☻

sábado, 18 de outubro de 2025

PL►Y: Código Preto

Michael e Cate: hora de discutir a traição.  

Tenho certo problema ao ver filmes de espionagem, geralmente eu nunca entendo muito bem o que está acontecendo e só costumo me aventurar pelo gênero de forma satisfatória quando descubro que está é a intenção mesmo. Assisti a Código Preto com o pé atrás, mesmo diante das resenhas positivas que já havia escutado sobre o filme dirigido por Steven Soderbergh. Faz algum tempo que a assinatura ilustre do diretor oscarizado por Traffic (2000) deixou de ser uma referência de grandeza, afinal, o cara já fez de tudo desde então, entre eles alguns filmes dignos de nota e outros que servem como passatempo (este a grande maioria de sua produção nos últimos anos). A graça é que Código Preto é um filme o qual se assiste com grande prazer, especialmente pelo trato elegante que o diretor oferece para uma trama que parte de um ponto de partida bastante corriqueiro: temos um traidor entre nós (e, não chega a ser muito original, a suspeita recai sobre a esposa de um dos agentes que também é uma agente). Para encher mais  os olhos, o casal é vivido por Michael Fassbender e Cate Blanchett (cujo o rosto aqui parece uma máscara usando uma peruca de cabelos castanhos). Assim, quando recai sobre George (Fassbender) a tarefa de descobrir se sua esposa, Kathryn (Blanchett) é uma traidora, uma série de situações envolvendo seus colegas de trabalho são reveladas e nem tudo é o que parece. Sobra para a psicóloga (Naomie Harris), o amigo Freddie (Tom Burke), o ambicioso James (Regé-Jean Page), a astuta Clarisa Dubose (Marisa Abella) e até o chefe (vivido por Pierce Brosnan). O que dá um tempero especial também são as pitadas de humor, como aquela em que um gélido George tremendo ao imaginar que sua esposa será desmascarada e Clarissa nos revela o segredo para enganar um polígrafo. O filme vai contra a maioria dos filmes do gênero e investe na tensão através de diálogos (bastante claros e bem escritos pelas teclas de David Koepp) e, por vezes, se dá ao luxo de criar os momentos mais tensos com os personagens sentados em volta de uma mesa de jantar. A ideia de ressignificar uma ideia tão prosaica como um jantar entre amigos faz com que o filme por vezes demonstre uma surpreendente verve teatral em sua execução, o que ajuda ainda mais a destacar que o elenco e a direção aqui fazem toda a diferença.  Falando em fazer a diferença, que delícia é ver Marisa Abella em cena na pele da esperta Clarissa, é notável perceber como mesmo em cenas em que contracena com gigantes como Fassbender e Blanchett a atriz consegue rouba-las para si. Fiquei até com vontade de ver aquela biopic da Amy Winehouse lançada no ano passado (Back to Black) em que a moça vive a cantora. Para concluir, o filme que começa como uma trairagem entre espiões acaba se tornando uma história de confiança no casamento. O amor (quando o filme é bom) é lindo!

O Código Preto (Black Bag / EUA - 2025) de Steve Soderbergh com Michael Fassbender, Cate Blanchett, Tom Burke, Marisa Abella, Naomir Harris, Regé-Jean Page e Pierce Brosnan. ☻☻ 

Pódio: Johnny Massaro

Bronze: o filho pensativo.

3º O Filme da Minha Vida (2017) O terceiro longa metragem dirigido por Selton Mello pegou muita gente de surpresa por ser bem mais discreto do que os anteriores - o que torna o trabalho com os atores bem mais complicado por conta do tom introspectivo das atuações. Talvez seja por conta disso que o filme serviu para que eu percebesse o carioca Johnny Massaro como um ator bem mais interessante do que eu notava até então. Na pele do jovem Paco, que indaga os motivos de seu pai ter deixado a família, Johnny carrega o filme nas costas com bastante dignidade e provoca uma empatia instantânea na plateia. Massaro havia estreado na TV em 2005 aos 13 anos e após alguns papéis no cinema finalmente recebeu o destaque que merecia. 

Prata: O ex-namorado inconformado
2º Todas as Razões para Esquecer (2018) Eu ainda estava com Paco na cabeça quando eu assisti a esta comédia (romântica?) e fiquei ainda mais fã do Johnny por conta do tom completamente diferente do personagem que tenta sobreviver ao fim de um relacionamento amoroso. Na pele de um rapaz que não entende o motivo do fim do namoro (que aparentemente ia tão bem), ele apela para tudo: antidepressivos, aplicativos, festas... tudo parece ser recurso prático para superar a solidão e a frustração, mas... será mesmo? Bem humorado e com narrativa irresistível, o filme é uma delícia de assistir e confirmou de vez a versatilidade do ator. 

Ouro: o soropositivo engajado
1º Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente (2025) Massaro falou sobre ser gay pela primeira vez em 2021, mesmo ano em que viveu o personagem soropositivo em Os Primeiros Soldados. Anos depois, ele vive um personagem que vive a mesma situação, mas com uma personalidade totalmente diferente nesta ótima minissérie da HBO. Johnny vive Fernando, um comissário de bordo que no meio da epidemia da AIDS descobre ser soropositivo. A notícia irá fazê-lo contrabandear medicamentos ainda não aprovados no Brasil e colocar sua vida sob nova perspectiva em relação ao trabalho, ao amor, à militância e expor o quanto o preconceito pode ser mortal ao afetar as políticas públicas. Um trabalho que merece respeito (ainda mais depois daquela participação ingrata em uma certa novela da Globo).  

NªTV: Máscaras de Oxigênio não Cairão Automaticamente

Bruna e Johhny: contrabando de AZT para o Brasil.  

 Contar uma história sobre um período tão sombrio quanto à propagação da AIDS nos anos 1980 não é tarefa fácil. No cinema já vimos vários filmes sobre o assunto, mas quando se trata deste período no Brasil a coisa complica. Geralmente aparece como pano de fundo da biografia de algum artista como recentemente em Homem com H (2025). Em termos de televisão a coisa fica ainda mais restrita por aqui. A  HBO já se aventurou por este território nos EUA várias vezes, seja com os telefilmes E A Vida Continua (1993) e Normal Heart (2014) ou com a genial minissérie Angels in America (2003), agora chegou a vez do canal abordar esta história em terras brasileiras com Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, que após concluir a exibição semanal de seus cinco episódios dirigidos por Marcelo Gomes e Carol Minêm o programa está disponível na HBOMax. Baseado em um história real sobre comissários de bordo que contrabandearam AZT para o Brasil quando o medicamento ainda era proibido por aqui, a trama gira em torno principalmente de Nando (Johnny Massaro), um jovem comissário de bordo que escuta os comentários sobre a AIDS classificando-os como uma paranoia. Nando é gay assumido e colhe os frutos da revolução sexual e do amor livre das décadas passadas sem pestanejar. Ele é um retrato bastante crível de como a doença surgiu como um verdadeiro pesadelo rotulada pelo preconceito que a considerava uma "peste gay", termo impregnado de conotação moralista. Acontece, que como o roteiro ressalta muito bem, o rótulo serviu somente para atrasar a compreensão do que estava acontecendo enquanto homens e mulheres, homossexuais ou não começaram a se infectar e propagar a doença. Não é por acaso que Nando tinha um relacionamento clandestino com um jogador de futebol e uma das personagens se contaminou com o marido que  mantinha um caso com uma mulher trans. A minissérie parece como uma amalgama de personagens que ilustram situações que se tornaram trágicas no período. No entanto, para além da doença, os soropositivos precisavam lidar com o preconceito seja de suas famílias, da política, da mídia ou de qualquer outra instância. O roteiro faz várias alusões a artistas que se infectaram com o vírus e precisavam ser discretos com relação a isso e no meio do caos. É neste cenário que Nando se envolve num esquema de contrabando de medicamentos para o Brasil, de início para beneficio próprio ao descobrir que contraiu o vírus, depois para ajudar outras pessoas que sofriam da mesma situação. Existem outras tramas no meio do caminho (especialmente envolvendo a Lea, a comissária de bordo vivida por Bruna Linzmeyer e melhor amiga de Nando), mas o motor do programa é a situação sufocante dos personagens perante a sensação de que a morte estava próxima e ninguém fazia nada para impedir. Embora considere que a minissérie faça um ótimo trabalho na construção da tensão vivida no período, em alguns momentos acho que ela erra pelo tom adotado que tornam situações um tanto festivas em demasia. Entendo que a comunidade LGBTQIAPN+ sempre curtiu baladas e tal, mas em alguns momentos soa um tanto forçado em cena, assim como alguns diálogos e estéticas que fazem mais sentido hoje do que naquele tempo. Em vários momentos o anacronismo grita, mas entendo que foi feito assim para dialogar melhor com o público atual. No fim das contas, a minissérie conta como o Brasil se tornou referência no que diz respeito ao tratamento e prevenção da AIDS no sistema de saúde pública. Afinal, a medicação que é alvo de tantos esquemas e polêmicas na série, passou a ser fornecido aos portadores de HIV através de ações governamentais. Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente pode ter seus deslizes, mas é uma obra importante sobre um tema que merece ser mais lembrado entre nossas produções audiovisuais. 

Máscaras de Oxigênio não Caírão Automaticamente (Brasil / 2025) de Marcelo Gomes e Carol Minêm, com Johnny Massaro, Ícaro Silva, Bruna Linzmeyer, Carla Ribas, Hermila Guedes, Kika Sena, Júlio Machado, Lucas Drummond e Sergio Menezes. ☻☻

PL►Y: O Macaco

O menino: pensando que é o dono do macaco.  

Acho que todo mundo já percebeu que Osgood Perkins, ou Oz Perkins para os íntimos, é um dos cineastas mais estranhos em atividade. O mais interessante é que ele tenta cravar o nome dele entre os grandes diretores de terror da atualidade na marra, tendo o diferencial de um sobrenome de peso no gênero, afinal é filho de Anthony Perkins - o lendário Norman Bates do clássico Psicose (1960) de Hitchcock. Depois de um tempo com produções sinistras que ninguém dava bola, ele chamou atenção no ano passado com Longlegs, filme que conseguiu aparecer em várias listas de mais interessantes do ano passado após se tornar um sucesso surpresa (rendeu quase treze vezes seu orçamento de 10 milhões de dólares) e ser reconhecido por alguns críticos, como o melhor terror do ano passado (eu particularmente gostei bastante). Depois do sucesso vem o desafio do passo seguinte e não deixa de ser corajoso Oz investir em um tom diferente com O Macaco. Seria muito mais fácil ele se repetir e fazer algo parecido com o seu sucesso anterior, mas ele preferiu escolher um conto macabro de Stephen King e transformá-lo em um longa cheio de sangue e humor bizarro, dizem até o diretor conseguiu agilizar o financiamento por enganar os produtores que não sabiam exatamente qual seria o tom do filme. Apesar de rebuscar um pouco a narrativa (com uma introdução em que não se sabe muito bem quem é o personagem vivido por Adam Scott) somos apresentados ao  brinquedo em formato de macaco com um tambor. Apesar de ser um boneco arrepiante, a coisa só piora quando ele bate as baquetas é faz com que algo muito ruim aconteça. Logo vemos que o objeto padece de alguma maldição misteriosa e a saga continua quando ele é encontrado no porão de dois irmãos gêmeos que não tem um bom relacionamento (vivido por Christian Convery e Colin O'Bryen). Os dois vivem com a mãe (Tatiana Maslany) que precisa lidar com toda a tensão na relação entre os filhos, seja em casa ou na escola. A coisa desanda quando um dos irmãos desconfia dos poderes do macaco e resolve achar que ele pode realizar seus pedidos. Grande engano. Acho que o filme fica mais interessante quando descobrimos que o brinquedo é incontrolável e faz o que quer - mesmo depois que decidem acabar com ele. Particularmente gosto mais da parte do filme em que os irmãos são pequenos, depois quando são crescidos (e vividos por Theo James) o filme tenta se explicar e acaba ficando um tanto confuso nas situações que escolhe narrar. O filme segura o tom sinistro e o humor dissonante cheio de sangue jorrando a todo instante, mas não assusta e também não é engraçado apesar de todo esforço. A plateia pode até rir de nervoso, mas é difícil dizer se o filme alcança suas reais intenções. Ao menos ele consegue prender a atenção e inserir mais um brinquedo sinistro no gênero do terror. Serve para passar o tempo, mas dificilmente alguém irá lembrar dele por muito tempo. 

O Macaco (The Monkey - EUA / 2025) de Osgood Perkins com Theo James, Tatiana Maslany, Christian Convery, Colin O'Bryen, Adam Scott, Elijah Wood e Osgood Perkins. 

PL►Y: Peacock

 Albecht: perdendo a identidade. 

Retomando os trabalhos por aqui, após uma pausa forçada devido ao roteiro da vida, escolhi comentar sobre um dos filmes que assisti recentemente e que já garantiu vaga entre os meus favoritos do ano. Em cartaz na Mubi, Peacock (ou na tradução: O Pavão) conta a história de Matthias (Albecht Schuch), o funcionário exemplar de uma empresa de acompanhantes. Vale explicar que não há nada de sexual no ofício do moço, já que ele é contratado para ser o filho exemplar de um candidato ambicioso da região, para ficar ao lado de alguém na visita de um imóvel destinado a um casal ou até mesmo para ouvir os lamentos de uma senhora infeliz no casamento. No entanto, Matthias tem uma vida pessoal bem organizada, é casado com Sophia (Julia Franz Richter) e vive em uma casa confortável, além de ser amigo próximo do patrão, David (Anton Noori). O problema é que após passar tanto tempo tentando ser convincente ao viver outros papéis,  ele esquece de como ser ele mesmo e embarca em uma verdadeira crise existencial - o que coloca em risco o seu casamento e até mesmo a sua profissão. O roteiro do diretor Bernhard Wenger investe em uma comédia dramática de tom seco que lembra muito a estranheza dos filmes da Estranha Onda Grega da turma do Yorgos Lanthimos (o filme lembra um pouco a premissa de um dos primeiros filmes dele, Alpes/2011), mas sem apelar para a violência ou extrapolar na bizarrice. O interesse cresce com as camadas que buscam uma alegoria entre a eterna busca pela aceitação e o lugar de sua identidade no meio de tudo isso. A fotografia é ensolarada e o ritmo da montagem ressalta ainda mais as ironias presentes no roteiro, no entanto, o filme dificilmente ficaria de pé se não fosse o trabalho de seu ator principal. Em alguns momentos Albecht Schuch parece viver uma espécie de Ted Lasso que perde-se de si mesmo e rende um tempero ainda mais instigante quando sugere uma tensão sexual com o amigo patrão cuja imagem é puro fetiche (grande, careca e barbudo), isso sem falar na alegórica cena final em que o protagonista rompe com toda a pressão que existe em cima dele e sugere um renascimento após perceber que viver para agradar os outros o tempo inteiro não é vida. 

Peacock ( Pfau - Bin ich echt? / Áustria - Alemanha / 2024) de Bernhard Wenger com Albrecht Schuch, Anton Noori, Julia Franz Richter, Salka Weber, Tilo Nest e Michael Edlinger. ☻☻

sábado, 11 de outubro de 2025

4EVER: Diane Keaton

05 de janeiro de 1946  11 de outubro de 2025

Diane Hall nasceu em Los Angeles, filha de uma fotógrafa amadora e um corretor imobiliário. Após começar sua carreira no teatro, estreou no cinema como figurante em As Mil Faces do Amor (1970). Dois anos depois, recebeu destaque como Kay Adams-Corleone que reprisaria nos outros filmes da trilogia O Poderoso Chefão. Embora o papel fosse dramático, os filmes que a tornaram mais conhecida durante aquele década foram em suas parcerias com Woody Allen. Com Sonhos de Um Sedutor (1972), O Dorminhoco (1973), A Última Noite de Bóris Gushenko (1975), ela se consolidou como musa do cineasta. Algo que foi coroado com seu oscarizado papel em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), que lhe também recebeu os Oscars de filme, direção e roteiro original daquele ano. A parceria se repetiria ao longo de décadas, mas Diane também ganhava reconhecimento com filmes dramáticos como A Procura de Mr. Goodbar (1977), REDS (1981)  e As Filhas de Marvin (1997) estes dois últimos com performances indicadas ao Oscar de melhor atriz. Ao longo da carreira, Diane colecionou vários sucessos, com destaque para O Clube das Desquitadas (1996) e Alguém tem que Ceder (2003), que lhe rendeu mais uma indicação ao prêmio da Academia. Na vida pessoal teve muitos romances e um estilo próprio de se vestir que marcou época. A atriz faleceu em decorrência de uma pneumonia.