O mestre, a musa e o escritor: ficção ou realidade?
O francês François Ozon é um dos mais prolíficos de sua geração, ele faz longas metragens desde 1997 e consegue lançar novas produções quase todo ano. Sua produção pode ser comparada somente a de Woody Allen, ainda que os diretores sejam totalmente diferentes. Se os filmes de Allen parecem existir dentro de um único universo, os de Ozon conseguem ser bem diferentes. Ele é capaz de criar dramas pesadões (Sob a Areia/2000), romances (O Amor em Cinco Tempos/2004), musicais (Oito Mulheres/2002), comédias (Gotas d'água em Pedras Escaldantes/2000), filmes de época (Angel/2007), fantasias (Ricky/2009) e delírios completos (Swimming Pool/2003). Dentro da Casa pertence a esse último gênero, recebendo elogios e prêmios em vários festivais. Baseado na peça de Juan Mayorga, a trama possui várias possibilidades geradas a partir do processo da escrita de um jovem rapaz chamado Claude (Ernst Umhauer) que chama a atenção de seu veterano professor. Germain (Fabrice Luchini) está cansado das redações preguiçosas de seus alunos, eis que um dia ele se depara com a redação de Claude sobre o dia em que se propôs uma amigo a superar as dificuldades em matemática. As descrições de Claude sobre a casa e a família do amigo ganham forma e intensidade a cada linha, alimentadas, principalmente pelo olhar astuto do rapaz de dezesseis anos. Germain vicia-se na história, que recebe continuações semanais que intensificam mais os interesses de Claude na mãe do amigo (vivida por Emmanuelle Seigner) e um certo desprezo pelos Raphas, já que o amigo tímido (Bastien Ughetto) e o pai (Denis Ménochet) possuem o mesmo nome. O filme funciona maravilhosamente bem enquanto Germain dá instruções para o aluno conduzir a história que segue sem mostrar se é verdade ou ficção. O processo de escrita contamina até a esposa de Germain, Jeanne (a inglesa Kristin Scott Thomas que encontrou no cinema francês um porto seguro para sua carreira) que sempre quer saber o que irá acontecera na história, ainda que, diferente do esposo, não considere que o jovem escritor seja confiável, principalmente diante de seus comentários mordazes sobre os personagens que escreve. Ozon conduz o filme com uma tranquilidade ímpar, injetando humor e pequenos dramas nas relações de seus personagens, sempre deixando que o espectador acompanhe a história no limite do real e fictício do texto de Claude, enfatizando um caráter manipulador entre mestre e discípulo. Ruim é quando o filme avança e essa dúvida fica de lado - e o filme perde muito de sua sagaz ambiguidade. No entanto, o maior erro de Ozon foi desprezar o conselho do próprio Germain ao seu pupilo: que o final deve ser arrebatador, surpreendente, mas deixando a impressão de que não poderia terminar de outro jeito. Reconheço que Ozon não quis repetir a radicalidade do mais sombrio Swimming Pool (que também era sobre as inspirações do processo de escrita), mas não deixa de ser frustrante o desvio de foco que recai sobre a relação entre Jeanne e Germain - e que joga pelo ralo toda a dinâmica do jogo instaurado entre diretor e plateia. Seria muito mais interessante se Germain percebesse que todo o escândalo e voyeurismo, que a escrita de Claude lhe permitia, era reflexo mais de sua necessidade de escapar da inércia dos dias do que da realidade vivenciada pelo pupilo.
Dentro da Casa (Dans La Maison/França - 2012) de François Ozon de Ernst Umhauer, Fabrice Luchini, Emmanuelle Seigner, Kristin Scott Thomas, Bastien Ughetto e Denis Ménochet. ☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário