Markus, Cate, Ben, Chris, Heath e Gere: as faces de Bob Dylan.
Quem conhece a obra de Todd Haynes sabe que o cara está longe de ser convencional. E quem viu sua versão do glam rock em Velvet Goldmine (1998) sabia que seu filme sobre Bob Dylan estaria longe de ser uma cinebiografia convencional. As coisas ficaram ainda mais promissoras quando foi divulgado que o filme contaria com a presença de Heath Ledger e Christian Bale vivendo o cantor em momentos diferentes. Depois tudo ganhou ares de esquisitice quando foi escalado Richard Gere e CATE BLANCHETT (!!?!) para viver o cantor. Ao estrear no Festival de Veneza, muita gente torceu o nariz e disse que não havia entendido nada. Para quem não conhece o cineasta a coisa deve ser realmente complicada! Mas se você conseguir entrar no clima da produção, verá que as coisas são menos complicadas do que parecem. Quem conhece um pouco da história da música pop sabe que Bob Dylan é um ícone e que sua carreira foi marcada por diversas provocações, rupturas, filosofices, genialidades e contradições. Nada mais justo do que utilizar atores (e personagens) diferentes para dar corpo e voz para as diferentes nuances deste personagem tão rico. O menino Markus Carl Franklin interpreta um guitarrista prodígio misterioso chamado Woody Guthrie, Guthrie serviu de inspiralção para a carreira de Dylan e isso marca a participação de Franklin no filme. Enquanto isso, Christian Bale vive Jack Rollins, cantor que personifica a fase de protesto das canções de Dylan e sua parceria com Joan Baez (que serve de inspiração para a personagem de Julianne Moore na trama - que vive mencionando o sumiço do cantor depois das polêmicas envolvendo até declarações sobre o assassino de John Kennedy). Rollins serve de inspiração para um filme que conta com o ator Robbie Clarke (Heath Ledger) em seu papel. Clarke é um personagem que personifica o flerte de Dylan com o cinema e sua dificuldade em se adaptar à vida familiar (com a patroa vivida por Charlotte Gainsburg). Se essas tramas são intercaladas com cenas de Ben Wishaw encarnando a face mais poética de Dylan (ele parece provocar os espectadores diante da estrutura narrativa construída por Haynes ao dizer que "nunca se deve falar ou fazer coisas que as pessoas não entendam"). Um momento crucial da carreira de Dylan é vivido por Cate Blanchett na pele de Jude Quinn, um artista que abandona a sonoridade folk e se rende ao som da guitarra elétrica, desagradando fãs e crítica. Neste momento que o filme aproveita as maiores provocações de Dylan diante de seu público (é hilariante quando um repórter pede para que diga algo aos fãs perplexos e ele diz: "astronauta"!), seu pouco caso diante da fama, da imprensa, seu contato com os Beatles e os conflitos amorosos com uma loura inspirada em Edie Sedgwick (vivida por Michelle Williams). Se Blanchett constrói um Dylan marcado por grande comicidade (e levou para casa o Globo de Ouro de Coadjuvante além do prêmio de atriz em Veneza) nos fazendo até esquecer que estamos diante de uma mulher interpretando um homem, o toque mais surreal fica por conta da trama anacrônica protagonizada por Richard Gere - que remete ao velho oeste, com crianças fantasiadas e números sombrios com uma mulher num caixão. Haynes constrói um filme tão cheio de referências e detalhes que fica impossível citar todos - e quem é fã de Dylan vai curtir muito mais o filme por causa desses elementos. O que mais impressiona é a habilidade de Haynes em lidar com tantos elementos, contruindo uma unidade caleidoscópica. Ao invés de ir pelo caminho simplista de pensar que os fatos principais da vida de um indivíduo são capazes de definí-lo o filme vai pelo caminho oposto brilhantemente amparado pelos signos que aparecem a todo instante. A certa altura um dos vários Dylans diz que "não existe política, apenas a linguagem de sinais", este deve ser o maior princípio para se entender os méritos deste filme.
Não Estou Lá (I'm not There/EUA-2007) de Todd Haynes com Christian Bale, Cate Blanchett, Heath Ledger, Richard Gere, Julianne Moore, Ben Wishaw, Charlotte Gainsbourg e Marcus Carl Franklin. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário