terça-feira, 22 de novembro de 2011

FILMED+: O Que Resta do Tempo


A família Suleiman: quatro episódios de uma família em Israel.

No ano em que Cannes coroou A Fita Branca e aclamou O Profeta, um outro filme, bem mais leve ainda que igualmente politicamente provocador, também arrebanhou fãs, tratava-se de O que Resta do Tempo, um desses filmes incomuns que merecem ser descobertos. Eu não conhecia o trabalho do diretor Elia Suleiman, mas o filme me estimulou a procurar e seguir as obras deste palestino que na obra em questão conta a história da construção do Estado de Israel a partir de um núcleo que lhe é bastante particular: sua própria família. A partir das memórias paternas, maternas e suas, Suleman constrói uma história que gira em torno de persongens em situações que beiram o absurdo, mas que por isso mesmo parecem tão triviais. Esse efeito paradoxal é fruto de um diretor que sabe exatamente utilizar a imagem para dizer o que quer, a seu favor conta com uma montagem sublime que consegue enfileirar cenas que poderiam parecer desconexas, mas que, de uma forma muito particular. pode ser tão assustadora quanto bem humorada. Poucos cineastas são capazes que alcançar tamanho equilíbrio ao ponto de fazer um tema pesadamente histórico  soar como uma comédia de costumes sem parecer arrogante ou idiotizante. No início, no ano de 1948 somos apresentados à família Suleiman em meio à constituição do Estado de Israel e o banimento dos muçulmanos para uma sociedade judaica. O clima ainda era tenso e só depois nos damos conta que aquele sujeito que estava sentado com amigos e que chama um iraquino para conversar é um dos protagonistas do filme e constrói armas na clandestinidade de seu porão. Existe um corte temporal que nos leva para o ano de 1970, onde nos deparamos com Fuad (Saleh Bakri) que tem pinta de galã hollywoodiano e vive numa confortável casa de subúrbio com a esposa e o filho, Elia - que tem problemas na escola ao repetir que os EUA são colonialistas. O moleque ainda chega invariavelmente, todos os dias com um prato de lentilhas que vai direto para o lixo num ritual cotidiano que beira o hilariante. Outro elemento que pode causar alguns risos é o vizinho de Fuad que todo sia se banha em querosene e ameaça atear fogo em si mesmo devido a conjuntura política do país. Fuad também é acusado de produzir armas clandestinamente em seu porão - e neste ponto parece a versão paradisíaca do personagem que vimos no primeiro ato. É na década de 1970 que o roteiro entrega outras pérolas sobre a passagem do tempo e as mudanças sócio-político-culturais do país através desta família. Do coral de estudantes muçulmanas, passando pela lentilha, ao videokê ao som de My heart will go on e a festinha animada ao som de trilha tecno na Nazaré atual - que é interrompida por guardas que não conseguem se fazer ouvir. São tantas mudanças culturais trituradas e atrocidades causadas pela intolerância (como o vizinho que é seguido por um tanque enquanto atravessa a rua e fala no celular) que naturalizadas pelo cotidiano que nos últimos atos, o antes menino Elia (vivido agora pelo próprio diretor) parece um cartoon ao observar o universo ao seu redor enquanto a mãe padece dos malefícios da diabetes (mesmo que sejam decorrentes de sorvetes saboreados às escondidas). Elia parece um espectador de um país surreal e a última cena onde se encontra sentado na sala de espera de um hospital ilustra bem isso -  ao observar os jovens israelenses que não diferem muito de alguns adeptos da cultura hip hop americana. A impressão é que desde o início ele estava certo sobre o Tio Sam - e por isso, nada mais irônico e genial do que os créditos ao som de uma versão moderninha de Staying Alive dos Bee Gees. Apesar de não gastar seu tempo explicando detalhes ao espectador, Suleiman criou uma bela alegoria sobre as minorias que procuram manter sua cultura entre a realidade do Oriente Médio.   

O Que Resta do Tempo (The time that remains/Israel - 2009) de Elia Suleiman, com Ali Suleiman, Saleh Bakri, Samar Tanus, Sahffika Bajjali e Ayman Espanioli. ☻☻

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