Obra-prima: Almaric através do espelho.
Antes de O Artista levar o Oscar de Melhor Filme para a França quem chegou mais perto do prêmio principal da Academia foi O Escafandro e A Borboleta de Julian Schnabel, mas acabou concorrendo somente nas categorias de direção, fotografia, roteiro adaptado e edição (isso não cria um concorrente a melhor filme?). Sei que muita gente estranha este nome, mas ele consegue ser bastante fiel ao que vemos na tela, tanto em sua carga metafórica quanto na sensação que temos ao assistir Schnabel misturar imagens à narrativa em off na história de Jean Dominic Bauby (vivido por Mathieu Almaric), editor da Elle francesa que sofreu um AVC e ficou impossibilitado de se locomover. O melhor de tudo é que mais do que contar uma história de superação, Schnabel opta pelo mais difícil e acerta em cheio. Nos primeiros momentos a câmera nos apresenta o universo em torno de Dominic pelos olhos do próprio personagem, basta esses momentos para que possamos entender plenamente a proposta da narrativa: expor como aquele corpo quase totalmente inerte tornou-se uma prisão para a mente do protagonista. Diante deste quadro, Dominic precisou encontrar outra forma de se comunicar com o mundo, com a ajuda de duas especialistas (Marie Joseé Croze e Anne Consigny) aprendeu a comunicar-se através da única parte do corpo que consegue controlar: o olho esquerdo. De início o personagem é todo angústia e ceticismo, questionando qual a motivação de viver assim, acrescente a isso o fato de Bauby ter construído uma carreira cercada de modelos num mundo que da comercialização do que é considerado estéticamente perfeito e terá uma ideia de como a experiência era devastadora ao personagem. Somente na metade do filme o personagem deixa de ter pena de si mesmo e sai do casulo. A partir deste ponto a trama se torna ainda mais fascinante ao nos darmos conta de que o filme é baseado no livro de memórias do verdadeiro Jean Dominic Bauby, que ditou cada palavra através de milhões de piscadelas. O filme se torna cada vez mais reflexivo quando o personagem mergulha nas memórias e em sua conturbada vida familiar, sua relação com os filhos, com o pai, com a ex-mulher e com a atual companheira. Neste universo particular, ganha destaque a atuação da senhora Roman Polanski, Emmanuelle Seigner que alcança aqui os seus melhores momentos como atriz. Em cada cena a paixão que ainda sente por Dominic é latente, assim como suas mágoas e frustrações com a relação. Ela torna-se o contraponto perfeito para a personalidade de Bauby - que ainda consegue ter momentos de surpreendente bom humor. Sem a preocupação de criar um herói isento de defeitos ou alguém castigado pelo destino, o filme constrói uma história de personagens fortes direcionados com grande vigor pelo cineasta. Além disso, é fascinante ver um ator de verdade em serviço, daqueles que com um olhar pode transmitir todos os pensamentos de seu personagem. Schnabel tem uma grande atração por personagens criativos, foi assim como seu primeiro filme Basquiat (1996) sobre o artista plástico apadrinhado por Andy Warhol e permaneceu no seguinte Antes do Anoitecer (2000), onde já demonstrava ser capaz de traduzir uma escrita poética em imagens com grande competência. Com O Escafandro e a Borbolerta, Schnabel parece ter encontrado a maturidade como cineasta, as imagens utilizadas por ele são espetaculares na expressão do fluxo mental do personagem. Optando por criar um filme que em momento algum se contenta em ser uma obra sobre superação, Schnabel constrói uma obra-prima que retrata, com magistral habilidade, o sabor agridoce de viver.
O Escafandro e a Borboleta (Le Escaphandre et le Papillon/França-EUA-2007) de Julian Schnabel com Mathieu Almaric, Emanuelle Seigner, Marie Joseé Croze, Anne Consigny, Max Von Sydow e Marina Hands. ☻☻☻☻☻
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