Cahit e Sibel: raros momentos de paz.
Há algum tempo eu escrevi sobre Soul Kitchen (2009) de Fatih Akin e me dei conta de que não havia escrito nada sobre seu premiado Contra a Parede aqui no blog. Contra a Parede foi premiado em vários festivais europeus, incluindo o Festival de Berlim que o elegeu o melhor filme de 2004, além de receber prêmios para os atores e direção. O filme conta a história dos descendentes de turcos na Alemanha do século XXI e seus conflitos entre as tradições rígidas e a modernidade que se espera de um rico país europeu. Akin tem um domínio cênico impressionante e sabe exatamente as cores e as músicas (das turcas até "I Fell You" do Depeche Mode) que deve utilizar para ampliar o efeito do que vivencia seus personagens - não que eles precisem, já que Cahit (Birot Unel, o cozinheiro conceitual de Soul Kitchen) e Sibel (a bela Sibel Kekilli) são de uma intensidade que beira o operístico. Não fosse pelo gosto pela autodestruição que ambos nutrem, eles jamais teriam se conhecido numa clínica de tratamento para suicidas. Presos numa espécie de limbo pessoal ele vive bêbado coletando garrafas de uma casa noturna enquanto ela quer se render aos prazeres da carne, mas está presa aos hábitos seculares de sua família. Quando conhece Cahit, que apesar de todos os pesares mostra-se um verdadeiro gentleman, Sibel percebe que casar-se com ele poderia melhorar sua vida. O problema é convencê-lo disso, mas ela tem charme suficiente para vender a ideia de um casamento de aparências onde é combinado não haver envolvimento sexual entre eles - onde ela seria a maior beneficiada com a distância da família e a possibilidade de ter quantos parceiros quisesse. Obviamente que o trato não irá funcionar por muito tempo, já que desde o início percebemos que há uma química irresistível entre os dois personagens. São nos arranjos deste casamento que o filme se torna mais leve e bem humorado, explorando a relação de Cahit com os cunhados (onde ele pergunta aos parentes dela por que eles simplesmente não transam com as esposas ao invés de procurar prostitutas e eles repreendem: "nunca diga para 'transar' com nossas esposas"!) e as mentiras contadas para que seja aceito pela família de Sibel. Como não se trata de um filme previsível, quando tudo parece caminhar para o final feliz, uma série de reviravoltas aparecem para complicar a vida do casal - e a instabilidade emocional de ambos só piora as coisas. As ações ocasionadas pelo ciúme de Cahit geram o desamparo de Sibel e originam os momentos mais tristes do filme. Alguns podem até considerar um exagero os rumos que o filme toma neste momento (especialmente na degradação de Sibel), mas é este ato que consegue exemplificar bem os dilemas que Akin expõe nas dicotomias entre o tradicional e o moderno. Com as cores fortes das alegrias e tristezas de Cahit & Sibel, o filme é acima de tudo romântico e mesmo com tantos problemas que enfrentam é difícil não torcer para que os dois fiquem juntos ao final. O principal motivo para a torcida são as atuações magníficas de Birot e Sibel que nos fazem compreender até o ato mais disparatado de seus personagens. Flertando com uma estética punk enquanto insere vinhetas com uma banda turca (que se silencia nos momentos mais dramáticos), Atkin busca o mesmo que seus personagens na estética do filme: conciliar uma linguagem cinematográfica moderna com as histórias carregadas da dramaturgia turca. O resultado é um filme intenso e de doer o coração.
Contra a Parede (Gegen Die Wand/Alemanha-Turquia/2005) de Fatih Akin com Birol Ünel, Sibell Kekilli e Catrin Striebeck☻☻☻☻
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