Álvaro e Alex: descobertas e hermafroditismo.
A adolescência não é um período fácil para ninguém. Embora alguns enfrentem este momento da vida com maior tranquilidade, a grande maioria enfrenta dilemas enquanto constroem a personalidade e tentam decidir o rumo de suas vidas. Misture a explosão hormonal de meninos e meninas e teremos uma ideia de como as coisas ficam mais complicadas quando a identidade sexual de cada um começa a se formar. Questões de gênero, heterossexualismo, homossexualismo, homoafetividade, bissexualidade são abordados em vários filmes sobre adolescência, mas a diretora Lucía Puenzo quis enriquecer ainda mais esses temas colocando uma protagonista hermafrodita em seu cultuado filme XXY. Premiado na Semana da Crítica do Festival de Cannes em 2007, o filme gira em torno de Alex (Inés Efron), que é aparentemente uma garota de quinze anos. Ela vive com os pais num vilarejo praiano, cercado de pescadores e, ao que tudo indica, começou a ter problemas com um rapaz da região. Aparentemente a garota vive dilemas comuns de sua idade, mas aos poucos percebemos que existem alguns segredos em torno dela. Ela parou de tomar os hormônios que mantêm suas características femininas e se tornou cada vez mais agressiva com os meninos, além disso os pais mencionam que fugiram para aquele lugar em busca de isolamento para que a filha não chamasse atenção na cidade grande. Existe toda uma estrutura cômoda para que Alex seja preservada, mas esta começa a desmontar quando recebem uma família de visitantes. Ramiro (Germán Palacios) é um cirurgião que está interessado pelo caso da garota e disposto a resolver sua situação com uma intervenção cirúrgica. Kraken (Ricardo Darín), pai de Alex, não parece se empolgar com a ideia e nem a própria Alex que começa a sentir seu corpo de forma diferente numa sexualidade híbrida que pode confundir os mais conservadores. Para aumentar a libido de Alex existe o filho do tal médico, Álvaro (Martin Piroyansky) que é respeitador o suficiente para evitar as insistentes investidas da garota - até o momento em que se rende aos encantos da mocinha. A cena em Alex mostra definitivamente para Álvaro quem está no comando promete dar um nó na cabeça de muita gente. É neste momento que o filme de Puenzo escancara sua temática principal: a sexualidade como algo totalmente pessoal. Ali, nosso olhar sobre o filme muda e percebemos que não estamos falando de hermafroditismo, mas sobre quem deve decidir quem um ou outro deve ser. Nos damos conta que os pais de Alex não tem o direito de decidir o sexo de sua cria, afinal de contas ela tem os dois impressos em seu corpo anatomicamente, portanto a plateia até compreende seus dilemas. Já Álvaro tem que sofrer as consequências de um desejo que ninguém mais poderá explicar além dele mesmo - e ainda lidar com seus preconceitos e dos outros. Nestes dilemas tudo no filme se torna simbólico, não estamos falando de hermafroditismo, mas de sexualidades e a forma como lidamos com ela em nós mesmos e nos outros. Nesta concepção a figura do cirurgião ganha tons quase vilanescos. Logo no início, Alex pergunta a Álvaro se o pai mutila pessoas. Álvaro diz que não, que ele apenas as "corrige", afinal se um menino nasce com seis dedos ele simplesmente corta o que está sobrando. Alex completa: "você disse que ele não mutila e agora diz que ele corta dedos". Parece um comentário inofensivo, mas não é. O desejo de "normalizar", fazer com quem foge à regra seja devidamente "ajustado" é um ato de violência que a palavra mutilar consegue expressar com maestria. O interessante é que à medida que o mundo ao seu redor se incomoda com sua situação, Alex parece cada vez mais confortável com ela. XXY não aponta respostas fáceis, mas explora os dilemas sexuais através de uma metáfora muito bem vinda.
XXY (Argentina/2007) de Lucía Puenzo com Inés Efron, Ricardo Darín, Martín Piroyansky, Valeria Bertuccelli e Germán Palacios. ☻☻☻☻
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