Se o mundo não estivesse atravessando a pandemia do Corona Vírus, amanhã teria início o Festival de Cannes que se estenderia até dia 09 de junho. O Festival estava inicialmente previsto para maio, mas foi adiado e se cogitou posteriormente uma data em julho, mas diante das incertezas optaram por não realizar. Os festivais mais influentes do mundo estão se organizando para realizar uma mostra online e assim viabilizar a divulgação de novas produções, compras para distribuidores, mas será curioso para estes profissionais trabalharem sem a visão direta do apelo dos filmes sobre o público e a crítica. Criado em 1946, Cannes se tornou o festival de cinema mais influente do mundo ao longo do tempo. Enquanto o cinema tenta se reorganizar para os tempos atuais, até o dia 09 de junho, o blog organizou um ciclo especial sobre filmes que já ganharam o prêmio máximo do festival, a Palma de Ouro. Para iniciar o ciclo destaco um filme que fez história.
Leonardo e Glória: tudo por uma promessa.
Em 1962 havia 35 filmes concorrendo à Palma de Ouro no 15º Festival de Cannes, estre eles estavam "Chleo de 5 aos 7" de Agnès Varda, "O Anjo Exteminador" de Luis Buñuel e "Longa Jornada Noite Adentro" de Sidney Lumet. Quando a Palma de Ouro foi para o brasileiro O Pagador de Promessas nem mesmo o cineasta Anselo Duarte acreditou. O filme se tornou um clássico instantâneo e, embora o Brasil tenha cravado outros competidores ao longo das décadas, nenhum outro levou para casa o prêmio máximo do Festival. Não sei se você já teve a experiência de ver ou ouvir uma entrevista de Anselmo comentando sobre esta experiência, mas vale a pena procurar, especialmente por suas constatações sobre as dificuldades de fazer cinema no Brasil e se ver consagrado internacionalmente. Dizem que depois do prêmio, Anselmo criou um personagem quase folclórico para si, mas ele pode. Anselmo começou no cinema como ator em 1942, logo começou a escrever roteiros e em 1957 começou sua carreira de cineasta. O Pagador de Promessas é o seu terceiro filme na direção e foi uma ótima ideia levar para as telas a peça de Dias Gomes sobre a história do humilde Zé do Burro (Leonardo Villar) que atravessa sete léguas do interior da Bahia até a Igreja de Santa Bárbara para pagar a promessa de cura de Nicolau, seu estimado burro. Já nos créditos iniciais ele atravessa, ao lado da esposa (Gloria Menezes) sol, tempestades e paisagens áridas carregando uma enorme cruz de madeira inspirada na que Cristo carregou na via crucis. Ele chega de madrugada em seu destino e ao se deparar com a igreja fechada, ele e a esposa começam a ter divergências quando ela percebe que a devoção dele tem alguns traços de exagero. Com medo de perder a graça alcançada, Zé teme ir embora e uma série de acontecimentos colocam em risco suas nobres intenções. A começar pela postura de Padre Olavo (Dionísio Azevedo), que não vê com bons olhos os apelos do devoto, que em desespero foi até um terreiro de candomblé pedir pela saúde do bicho. Naquele que talvez seja o melhor diálogo do filme, temos uma noção de como a religião é um território bastante misto em nosso país, o que não impede que existam posturas intransigentes da Igreja diante desta mistura. Metido em uma confusão entre Iansã e Santa Bárbara, Zé é proibido de entrar na Igreja e chama atenção da mídia, de moradores locais, de adeptos do candomblé, recebe rótulo de agitador, de comunista, de adepto de feitiçaria.... Enquanto a trama se desenrola acontece a lavagem de escadarias por mulheres vestidas com roupa de terreiro, jogos de capoeira, danças e um bocado de hipocrisias em torno do ingênuo protagonista e sua esposa que tem seus momentos de tentação. Em meio a situações que Zé nunca consegue entender muito bem, o filme cresce em tensão até o final inevitável. Com atuações sólidas e uma edição por vezes caótica entre som e imagens, O Pagador de Promessas ainda é o único filme latino-americano a ganhar a Palma de Ouro em Cannes e se tornou o primeiro filme latino-americano a ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Uma obra que retrata o caldeirão cultural que é o Brasil e, ainda assim, como é difícil manter a fé por aqui.
O Pagador de Promessas (Brasil / 1962) de Anselmo Duarte com Leonardo Villar, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Geraldo Del Rey, Othon Bastos, Norma Bengell e Antônio Pitanga. ☻☻☻☻
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