quarta-feira, 24 de junho de 2020

PL►Y: O Irlandês

De Niro, Pacino e seus amigos: elenco de respeito. 

O projeto de Martin Scorsese junto com a Netflix deu o que falar logo assim que começou a ser organizado. Tudo começou com o elenco que reúne alguns dos atores favoritos do cineasta e um (Al Pacino) que ainda não havia trabalhado com o mestre. Todo mundo só falava do encontro de Pacino, Robert De Niro e Joe Pesci.  Somando o currículo dos três temos 17 indicações ao Oscar (e quatro estatuetas, duas para De Niro e uma para Pacino e Pesci). Se colocarmos na conta as indicações de Scorsese, o quilate sobe para 29 indicações (sendo uma estatueta, eu sei é ofensivo...) - e para arredondar some a indicação de Anna Paquin, que levou o prêmio de atriz coadjuvante por O Piano/1993 quando tinha onze anos - e aqui faz uma participação que deu o que falar. O Irlandês somou novas indicações para Pacino e Pesci (ambos indicados na categoria de coadjuvantes), assim como para De Niro (indicado como produtor) e Scorsese (lembrado como diretor e produtor). Ao todo  O Irlandês concorreu em dez categorias no Oscar2020 e rendeu muitas entrevistas em que Scorsese criticava o fato de ser um tipo de filme que os grandes estúdios de Hollywood não se interessam mais. Com três horas e meia de duração (dez minutos só de créditos finais) o interesse da Netflix caiu como uma luva ao projeto, já que permite ao expectador uma liberdade maior ao diretor e ao expectador na hora de assistir (pessoalmente considero que é mais interessante vê-lo por completo de uma vez só, numa tarde em que estiver com disponibilidade de mergulhar em mais uma jornada de Scorsese pelo mundo do crime). É verdade que você irá identificar relações com outras obras importantes do cineasta, seja Caminhos Perigosos (1973), Os Bons Companheiros (1990) e até Cassino (1995). Embora o diretor tenha enveredado por outros caminhos ao longo de seus sessenta anos de carreira, são em produções deste tipo que temos a sensação de ver Scorsese ser Scorsese. Aqui ele cria quase uma reverência à sua obra através da biografia de Fran Sheeran (Robert De Niro), um homem comum que vivia de pequenos golpes e que se torna um dos mais confiáveis da máfia italiana ao longo de seis décadas. Casado e pai de três filhas, sua vida muda radicalmente quando conhece Russel Bufalino (Joe Pesci), um verdadeiro articulador da máfia na região e que se tornará seu grande amigo. Fran começa a fazer cada vez mais serviços para o grupo num emaranhado de assassinatos e serviços sujos. É Russel que apresenta Fran para o lendário Jimmy Hoffa (Al Pacino), envolvido com uma eterna luta pelo poder sobre o sindicato na região e outros negócios por baixo dos panos. Em torno dos três temos uma olhar bastante particular sobre a história dos Estados Unidos que segue até o final melancólico. 

Keitel e Pesci: figuras bastante conhecidas na cinematografia de Scorsese. 

Não precisa nem dizer que Scorsese faz um trabalho técnico impressionante, especialmente por não ter em mãos um roteiro trivial que cresce em tensão até o final, O Irlandês se desenvolve em oscilações, que vão do grandiloquente ao intimista por toda sua duração, construindo uma cadência bastante própria. Fundamental para seu funcionamento são as performances de seu elenco que utiliza talento e efeitos especiais para rejuvenescerem - e confesso que estranho muito este tipo de efeito em atores idosos que os movimentos não acompanham este efeito de jovialidade - além de maquiagem para envelhecerem décadas diante da câmera. De Niro está bastante correto como protagonista, mas seus coadjuvantes acabam chamando mais atenção. Pesci que estava sumido de grandes produções faz aqui um tipo bastante diferente dos tipos que o consagraram anteriormente. Mais contido e falando baixinho, ele é a antítese dos esquentadinhos que lhe renderam prêmios no passado. Já Pacino é o oposto, enérgico e acelerado, o ator tem seu trabalho mais empolgante em muito tempo, fazendo o filme mudar de tom quando aparece e o torna ainda mais envolvente quando está em cena. O filme ainda agrega outros bons atores em torno do trio, Harvey Keitel (outro favorito de Scorsese), Ray Romano, Bobby Cannavale, Stephen Graham e Jesse Plemons também têm bons momentos durante a sessão. Sei que muita gente criticou a participação silenciosa de Anna Paquin do filme, verdade que foi uma ousadia utilizar a atriz para refletir a consciência de Fran Sherran e ter apenas duas linhas de fala no filme, mas faz parte das opções do diretor para criar dramaticidade por aqui. Alguns apressados foram reclamar da falta de destaque em mulheres nos filmes de Scorsese (esquecendo de atuações notáveis de Ellen Burstyn, Sharon Stone, Lorraine Bracco, Winona Rider, Michelle Pfeiffer, Margot Robbie, Cate Blanchett, Vera Farmiga, Michelle Williams, Cathy Moriarty e tantas outras em filmes do diretor). O Irlandês é a prova de que o cinema de Scorsese ainda merece atenção e não importa se os espectadores o assistiram como uma temporada da Netflix (como brincou Chris Rock na abertura do Oscar deste ano) o que temos aqui é cinema de qualidade e isso que importa. O Oscar não veio, mas aquela homenagem de Bong Joon-Ho ao levar a estatueta de melhor diretor já diz tudo. Citando o mestre e deixando todos de pé na plateia para aplaudi-lo, Scorsese já transcendeu premiações, já é uma entidade da história do cinema. 



O Irlandês (The Irishman / EUA - 2019) de Martin Scorsese com Robert De Niro, Joe Pesci, Al Pacino, Anna Paquin, Stephanie Kurtzuba, Harvey Keitel, Kathrine Narducci, Ray Romano, Bobby Cannavale, Stephen Graham e Jesse Plemons. ☻☻

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