Blacky, Natalija e Marko: triângulo amoroso temperado com surrealismo.
Nascido na Bósnia em 1954 o cineasta e músico sérvio Emir Kusturica também é muçulmano. Assistir seus filmes levando em consideração estas características faz toda a diferença. Em 1985 ele recebeu a Palma de Ouro por Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Filme estrangeiro). Seu senso de humor provocativo e a atmosfera carregada são marcas estruturantes de suas obras - e deixa seus filmes sempre interessantes. Prova disso é que em 1995 ele repetiu o feito, se tornando um dos raros diretores que ganharam a Palma de Ouro duas vezes. No ano em que estava no páreo 24 filmes, entre "Ed Wood" de Tim Burton, "Kids" de Larry Clark, "O Ódio" de Mathieu Kassovitz e "Terra e Liberdade" de Ken Loach, foi o inacreditável "Underground" o eleito a melhor filme da mostra competitiva. O filme tem duas horas e quarenta e três minutos e é composto de tantos acontecimentos que torna difícil contar cada detalhe de sua trama. Embora tenha um tom de farsa satírica, a trama atravessa várias guerras travadas no território da então Iugoslávia, seja em tom galhofa ou de tragédia. No centro desta epopeia estão dois amigos, Marko (Miki Manojlovic) e Blacky (Lazar Ristovski), dois mulherengos que presenciam a explosão da Segunda Guerra Mundial no país em 1939. Deste o início existe um contraste gritante entre o tema, a música (que não faria feio num show do Gogol Bordello) e o tom cômico dos personagens, para logo depois surgir a cena do bombardeio visto sobre o ponto de vista do irmão de Marko, Ivan (Slavko Stimac), rapaz trabalha em um zoológico. A cena é uma das mais impressionantes do filme e se torna crucial para vários acontecimentos que ocorrem logo depois, já que diante da invasão nazista, Marko tem a ideia de esconder seus amigos em um porão até que o cenários seja mais tranquilo e, não por acaso, neste grupo, está a esposa de Blacky prestes a dar a luz. Como de boas intenções o inferno está cheio, Marko e Blacky nutrem um interesse em uma mesma mulher, a atriz Natalija (Mirjana Jokovic) e quando Blacky começa a ser perseguido pelos inimigos, Marko mudara o rumo deste romance. Com o passar do tempo, os habitantes do porão irão compor uma verdadeira comunidade subterrânea, produzirão armas e confiaram em todos os relatos que Marko trará da superfície. Poderia até soar uma atualização do Mito da Caverna de Platão, mas Kusturica faz mais que isso em uma obra exagerada, elétrica, barulhenta e proporcionalmente complexa. Não bastasse o texto elaborado, o filme irá se construir em torno de mentiras, um filme dentro do filme, conflitos étnicos, intrigas política e surrealismo de uma forma como nunca se viu. O tom de comédia disfarça a história sangrenta de um país que enfrentou vários conflitos, guerras e intervenções. Com relação ao elenco, todos estão bem numa sintonia que beira o delírio coletivo, mas o destaque vai para a composição de Manojlovic, que cria uma casca cômica para um personagem execrável. Tantas alegorias dão lugar à tragédia em seu desfecho inevitável, porém, logo depois, Kusturica utiliza elementos fantásticos para trazer alguma alegria para aqueles personagens perdidos no tempo.
Underground: Mentiras de Guerra (Underground / Iugoslávia, França, Alemanha, Bulgária, Cazaquistão, Hungria, Reino Unido, EUA / 1995) de Emir Kusturica com Miki Manojlovic, Lazar Ristovski, Mirjana Jokovic, Slavko Stimac, Mirjana Karanovic, Dragan Nikolic, Erol Kadic e Milena Pavlovic. ☻☻☻☻☻
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