quinta-feira, 4 de junho de 2020

Ciclo Palma de Ouro: Segredos e Mentiras (1996)

Brenda e Marianne: reencontro emocionante. 

Fargo dos Irmãos Coen era o favorito para a Palma de Ouro de 1996, ainda mais que outros filmes aguardados como Estranhos Prazeres de David Cronenberg, Beleza Roubada de Bernardo Bertolucci e Kansas City de Robert Altman não empolgaram. No páreo também estavam o último filme de Michael Cimino (Sunchaser) e aquele que seria o divisor de águas na carreira de Lars Von Trier (Ondas do Destino). No entanto, quem levou a melhor foi o inglês Mike Leigh, cineasta bastante querido em Cannes mas que levou para a casa o prêmio máximo somente por esta pérola do cinema independente. Quem conhece o cinema de Leigh (do popular Simplesmente Feliz/2008) sabe que ele adora mesmo é contar histórias sobre personagens comuns, caprichar nos diálogos e nas relações humanas de suas obras. Segredos e Mentiras é um drama familiar conduzido com sensibilidade, senso de humor incomum e total noção do que deve ser feito para não cair no melodrama (e talvez por isso algumas pessoas considerem o filme um tanto cru). A trama conta a história de Cynthia (Brenda Blethyn, eleita melhor atriz em Cannes naquele ano), mulher presa à uma vida infeliz ao lado da filha temperamental (Claire Rushbrook). Cynthia adoraria ter mais contato com o irmão fotógrafo (Timothy Spall) - só que a relação entre eles apresenta um certo distanciamento. O cotidiano de Cynthia segue com os embates com a filha até que recebe o telefonema de uma desconhecida que afirma ser sua filha. Este é apenas um momento que o excelente trabalho de Brenda se destaca (não por acaso ela ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes), onde suas expressões caminham da surpresa para o dramático e depois para o cômico com uma desenvoltura impressionante - e outro momento em que testemunhamos este talento incomum é no momento em que ela se encontra com a tal desconhecida, Hortense (Marianne Jean Baptiste) que no início precisa ouvir que houve algum engano, já que Hortense é negra, mas... a memória logo funciona. Neste encontro entre as duas, Mike Leigh cria um verdadeiro espetáculo! A mistura de decepção de ambas, de tristeza e alegria é palpável, assim como o sentimento que começa a crescer entre as duas conforme a ligação entre as duas se constrói emocionalmente a cada encontro, a cada conversa. Segredos e Mentiras ganha então uma cadência própria sobre a construção daquele laço e a transformação que gera naquela família. Nesta tarefa é fundamental destacar o trabalho excepcional de Marianne Jean Baptiste (que foi indicada como atriz coadjuvante ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao BAFTA, assim como Brenda) que personifica um luminoso ponto de mudança para aquele núcleo familiar e, assim como Brenda, explora as várias camadas que aquele relacionamento pode ter. O que poderia ser uma trama repleta de ressentimentos se torna uma história de perdão e até esperança, ainda que caminhe para momentos de grande tensão. Este é meu filme favorito de Mike Leigh e sempre que o revejo encontro um detalhe, um olhar, um gesto que me faz gostar dele ainda mais. Mike é bastante meticuloso na construção desta história, repare no contraste da família protagonista com  as que aparecem para serem fotografadas, nos espaços apertados, na fotografia quase sem cores... Além das indicações ao Oscar para suas magníficas atrizes, o filme ainda foi lembrado nas categorias de Melhor Filme, direção e roteiro original num ano em que dos cinco indicados ao prêmio principal, quatro eram produções independentes.  

Segredos e Mentiras (Secrets and Lies / Reino Unido - 1996) com Brenda Blethyn, Marinanne Jean Baptiste, Timothy Spall, Claire Rushbrook e Lesley Manville. 

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