Katrhyn: na pele da autora Chris Kraus
Foi com certa desconfiança que comecei a assistir a série I Love Dick da Amazon Prime Video. A começar por ela ter este título, digamos, sugestivo e segundo por saber que ela durou somente uma temporada. A sensação de que eu veria uma história que não teria fim me deixou um tanto receoso, mas ao descobrir que a série é baseada num livro eu prontamente já o deixei no meu Kindle. Diquei bastante surpreso de que a autora do livro, Chris Kraus é a própria personagem da série (vivida por Kathryn Hahn) o que deixa tudo ainda mais curioso e sincero. A trama conta a história de um casal maduro que se muda para uma comunidade acadêmica no interior dos Estados Unidos, uma cidadezinha chamada Marfa, no Texas. Apesar de ter pouco mais de dois mil habitantes, Marfa tem uma cena artística de prestígio, com várias galerias na região. Neste cenário existe um Instituto que contrata bolsistas para realizar pesquisas e trabalhos, neste processo é selecionado o trabalho do professor Sylvére (Griffin Dunne) sobre o Holocausto. A esposa cineasta, Chris, que está prestes a exibir seu filme no Festival de Veneza o leva até lá e ao conhecer, logo fica intrigada com a figura de Dick (Kevin Bacon), o diretor do Instituto. Um artista plástico renomado com estilo de cowboy e atmosfera de intelectual inatingível. Puro fetiche. A figura de Dick desestabiliza Chris de tal forma que tudo em sua vida parece indicar que ela deve permanecer ali (e um problema com seu filme fará isso soar ainda mais inevitável). Inquieta em suas emoções, Chris resolve exorcizar seus desejos através de uma carta que nunca será enviada a Dick. Os desdobramentos do desejo de Chris irá desestabilizar o trio e trará à tona algumas reflexões sobre sexo, casamento, fidelidade, objetificação, acordos, tratos, tesão, consenso e (por que não?) arte. O livro é todo construído através das cartas concebidas por Chis que por hora são engraçadas, melancólicas, contraditórias, conflituosas e sempre provocadoras. A série mantém este tom, o que a transforma numa comédia adulta (gênero caro às séries americanas) que gera risadas e provoca algum estranhamento pela abordagem diferenciada. O tesão está latente em cada episódio e o expande para outros personagens interessantes que gravitam em torno de Dick. A série explora um pouco a narrativa de "carta" entre os episódios, assim como referências a um cinema mais experimental, neste formato a colaboração das cineastas responsáveis pelos episódios (Jill Soloway, Kimberley Pierce, Andrea Arnold além do diretor Jim Forhna que dirige somente o sexto episódio) se torna fundamental. No elenco, Kathryn Hahn faz algo que já se tornou especialista, a protagonista confusa, que reencontra o desejo e não sabe o que fazer com ele - e ela sabe dosar comédia e drama nesta construção como poucas. Kevin Bacon também está confortável como o homem objetificado que tem algo a dizer, embora quase sempre troque as palavras nos piores momentos. A minha surpresa foi reencontrar Griffin Dunne (talvez o papel mais famoso dele seja do crush comportado de Madonna em Quem é Essa Garota? nos idos de 1987... lembra?), o ator está envelhecido e seguro como nunca na pele do intelectual Sylvére. Existe ainda uma penca de coadjuvantes cheios de possibilidades, mas, assim como o trio principal ganha um final aberto na conclusão temporária do oitavo episódio. I Love Dick é uma série interessantíssima e que merece uma chance, ainda que seja para você continuar os andamentos do programa em sua mente ou, pelo menos, se interessar pelo livro.
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